* A Project Gutenberg Canada Ebook * This ebook is made available at no cost and with very few restrictions. These restrictions apply only if (1) you make a change in the ebook (other than alteration for different display devices), or (2) you are making commercial use of the ebook. If either of these conditions applies, please check gutenberg.ca/links/licence.html before proceeding. This work is in the Canadian public domain, but may be under copyright in some countries. If you live outside Canada, check your country's copyright laws. IF THE BOOK IS UNDER COPYRIGHT IN YOUR COUNTRY, DO NOT DOWNLOAD OR REDISTRIBUTE THIS FILE. Title: Sonetos Completos Author: Espanca, Florbela (1894-1930) Translator: Battelli, Guido (1869-1955) Sculptor: Macedo, Diogo de (1889-1959) Photographer: Anonymous Date of first publication: 1934 Edition used as base for this ebook: Coimbra: Gonçalves, 1934 Date first posted: 12 December 2010 Date last updated: 12 December 2010 Project Gutenberg Canada ebook #674 This ebook was produced by: Júlio Reis & the Online Distributed Proofreading Canada Team at http://www.pgdpcanada.net This file was produced from images generously made available by the Biblioteca Nacional de Portugal (Biblioteca Nacional Digital) * Livre électronique de Project Gutenberg Canada * Le présent livre électronique est rendu accessible gratuitement et avec quelques restrictions seulement. 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Titre: Sonetos Completos Auteur: Espanca, Florbela (1894-1930) Traducteur: Battelli, Guido (1869-1955) Sculpteur: Macedo, Diogo de (1889-1959) Photographe: Anonyme Date de la première publication: 1934 Édition utilisée comme modèle pour ce livre électronique: Coimbra: Gonçalves, 1934 Date de la première publication sur Project Gutenberg Canada: 12 décembre 2010 Date de la dernière mise à jour: 12 décembre 2010 Livre électronique de Project Gutenberg Canada no 674 Ce livre électronique a été créé par: Júlio Reis et l'équipe des correcteurs d'épreuves (Canada) à http://www.pgdpcanada.net Nous tenons à remercier la Biblioteca Nacional de Portugal (Biblioteca Nacional Digital) d'avoir offert en ligne les images de l'édition imprimée sur laquelle nous avons fondé ce livre électronique.  Notas de transcrição: A errata presente no final do volume foi aplicada. Foram feitas correcções adicionais que não vinham na errata: * Página 121, linha 9 "«Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã água..." corrigida para "«Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã água...»" * Página 142, linha 10 "--Quanto mais funda e lúgubre e descida" corrigida para "--Quanto mais funda e lúgubre a descida" * Página 175, linha 11 "Navios--fantasmas, perdem-se a distância!" corrigida para "Navios-fantasmas, perdem-se a distância!" O texto em itálico foi marcado com _. Florbela Espanca (1894-1930) è una poetessa portoghese celebrata per i suoi sonetti tragici. Guido Battelli (1869-1955) era un insegnante italiano che fu conquistato dalla poesia di Florbela. I due divennero molto amici e Guido pubblicò questa edizione postuma completa della sua poesia, includendo la propria traduzione di una selezione dei sonetti di Florbela. SONETOS COMPLETOS DA AUTORA: Livro de Mágoas, 1.ª ed. (esgotado). Livro de Sóror Saüdade, 1.ª ed. (esgotado). NA MESMA LIVRARIA: Charneca em Flor, 1.ª e 2.ª ed. (esgotado). Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saüdade, 2.ª ed. (esgotado). Juvenília (versos). Cartas. EDIÇÕES MARANUS: As máscaras do Destino (contos). A SAIR: O Dominó negro (contos). [Ilustração: BUSTO DA AUTORA POR DIOGO DE MACEDO A ERIGIR EM ÉVORA] FLORBELA ESPANCA Sonetos Completos LIVRO DE MÁGOAS LIVRO DE SÓROR SAÜDADE CHARNECA EM FLOR RELIQUIAE COIMBRA MCMXXXIV LIVRARIA GONÇALVES Rua Sá de Miranda, 60 * * * * * LIVRO DE MÁGOAS (1919) _Procuremos sòmente a Beleza, que a vida É um punhado infantil de areia ressequida Um som d'água ou de bronze e uma sombra que passa..._ EUGÉNIO DE CASTRO. _Isolés dans l'amour ainsi qu'en un bois noir, Nos deux cœurs, exalant leur tendresse paisible, Seront deux rossignols que chantent dans le soir._ VERLAINE. ÊSTE LIVRO... Êste livro é de mágoas. Desgraçados Que no mundo passais, chorai ao lê-lo! Sòmente a vossa dor de Torturados Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo. Êste livro é para vós. Abençoados Os que o sentirem, sem ser bom nem belo! Bíblia de tristes... Ó Desventurados, Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo! Livro de Mágoas... Dores... Ansiedade! Livro de sombras... Névoas... e Saüdades! Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...) Irmãos na Dor, os olhos razos de água, Chorai comigo a minha imensa mágoa, Lendo o meu livro só de mágoas cheio!... VAIDADE Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reüne num verso a imensidade! Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aquêles que morrem de saüdade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! Sonho que sou Alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a terra anda curvada! E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho... E não sou nada!... EU Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa ténue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber porquê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo p'ra me ver E que nunca na vida me encontrou! CASTELÃ DA TRISTEZA Altiva e couraçada de desdém, Vivo sòzinha em meu castelo: a Dor! Passa por êle a luz de todo o amor... E nunca em meu castelo entrou alguém! Castelã da Tristeza, vês?... A quem?... --E o meu olhar é interrogador-- Prescruto, ao longe, as sombras do sol-pôr... Chora o silêncio... nada... ninguém vem... Castelã da Tristeza, porque choras Lendo, tôda de branco, um livro de oras, Á sombra rendilhada dos vitrais?... A noite, debruçada p'las ameias, Porque rezas baixinho?... Porque anseias?... Que sonho afagam tuas mãos reais?... TORTURA Tirar dentro do peito a Emoção, A lúcida Verdade, o Sentimento! --E ser, depois de vir do coração, Um punhado de cinza esparso ao vento!... Sonhar um verso d'alto pensamento, E puro como um ritmo d'oração! --E ser, depois de vir do coração, O pó, o nada, o sonho dum momento... São assim ôcos, rudes, os meus versos: Rimas perdidas, vendavais dispersos, Com que eu iludo os outros, com que minto! Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse, a chorar, isto que sinto! LÁGRIMAS OCULTAS Se me ponho a cismar em outras eras Em que ri e cantei, em que era qu'rida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida... E a minha triste bôca dolorida Que dantes tinha o rir das primaveras, Esbate as linhas graves e severas E cai num abandono de esquecida! E fico, pensativa, olhando o vago... Toma a brandura plácida dum lago O meu rosto de monja de marfim... E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim! TÔRRE DE NÉVOA Subi ao alto, à minha Tôrre esguia, Feita de fumo, névoas e luar, E pus-me, comovida, a conversar Com os poetas mortos, todo o dia. Contei-lhes os meus sonhos, a alegria Dos versos que são meus, do meu sonhar, E todos os poetas, a chorar, Responderam-me então: Que fantasia, Criança doida e crente! Nós também Tivemos ilusões, como ninguém, E tudo nos fugiu, tudo morreu!... Calaram-se os poetas, tristemente... E é desde então que eu choro amargamente Na minha Tôrre esguia junto ao Céu!... A MINHA DOR A Você. A minha Dor é um convento ideal Cheio de claustros, sombras, arcarias, Aonde a pedra em convulsões sombrias Tem linhas dum requinte escultural. Os sinos têm dobres d'agonias Ao gemer, comovidos, o seu mal... E todos têm sons de funeral, Ao bater horas, no correr dos dias... A minha Dor é um convento. Há lírios Dum roxo macerado de martírios, Tão belos como nunca os viu alguém! Nesse triste convento aonde eu moro, Noites e dias rezo e grito e choro, E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém... DIZERES ÍNTIMOS É tão triste morrer na minha idade! E vou ver os meus olhos, penitentes Vestidinhos de roxo, como crentes Do soturno convento da Saüdade! E logo vou olhar (com que ansiedade!...) As minhas mãos esguias, languescentes, De brancos dedos, uns bébés doentes Que hão de morrer em plena mocidade! E ser-se novo é ter-se o Paraíso. É ter-se a estrada larga, ao sol, florida, Aonde tudo é luz e graça e riso! E os meus vinte e três anos... (Sou tão nova!) Dizem baixinho a rir: «Que linda a vida!...» Responde a minha Dor: «Que linda a cova!» AS MINHAS ILUSÕES Hora sagrada dum entardecer D'Outono, à beira-mar, côr de safira. Soa no ar uma invisível lira... O sol é um doente a enlanguescer... A vaga estende os braços a suster. Numa dor de revolta cheia de ira, A doirada cabeça que delira Num último suspiro, a estremecer. O sol morreu... e veste luto o mar... E eu vejo a urna d'oiro, a baloiçar, Á flor das ondas num lençol de espuma. As minhas ilusões, doce tesoiro, Também as vi levar em urna d'oiro. No Mar da Vida, assim... uma por uma... NEURASTENIA Sinto hoje a alma cheia de tristeza! Um sino dobra em mim, Ave-Marias! Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias, Faz na vidraça rendas de Veneza... O vento desgrenhado, chora e reza Por alma dos que estão nas agonias! E flocos de neve, aves brancas, frias, Batem as asas pela Natureza... Chuva... tenho tristeza! Mas porquê? Vento... tenho saüdades! Mas de quê? Ó neve que destino triste o nosso! Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura! Gritem ao mundo inteiro esta amargura, Digam isto que sinto que eu não posso!!... PEQUENINA Á Maria Helena Falcão Risques. És pequenina e ris... A bôca breve É um pequeno idílio côr de rosa... Haste de lírio frágil e mimosa! Cofre de beijos feito sonho e neve! Doce quimera que a nossa alma deve Ao Céu que assim te fêz tão graciosa! Que nesta vida amarga e tormentosa Te fêz nascer como um perfume leve! O ver o teu olhar faz bem à gente... E cheira e sabe, a nossa bôca, a flores Quando o teu nome diz, suavemente... Pequenina que a Mãe de Deus sonhou, Que ela afaste de ti aquelas dores Que fizeram de mim isto que sou! A MAIOR TORTURA A Um Grande Poeta de Portugal. Na vida, para mim, não há deleite. Ando a chorar convulsa noite e dia... E não tenho uma sombra fugidia Onde poise a cabeça, onde me deite! E nem flor de lilaz tenho que enfeite A minha atroz, imensa, nostalgia... A minha pobre Mãe tão branca e fria Deu-me a beber a Mágoa no seu leite! Poeta, eu sou um cardo desprezado, A urze que se pisa sob os pés. Sou, como tu, um riso desgraçado! Mas a minha tortura 'inda é maior: Não ser poeta assim como tu és Para gritar num verso a minha Dor!... A FLOR DO SONHO A flor do Sonho alvíssima, divina, Miraculosamente abriu em mim, Como se uma magnólia de setim Fôsse florir num muro todo em ruína. Pende em meu seio a haste branda e fina E não posso entender como é que, emfim, Essa tão rara flor abriu assim!... Milagre... fantasia... ou talvez, sina... Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos, Que tem que sejam tristes os meus olhos Se êles são tristes pelo amor de ti?!... Desde que em mim nasceste em noite calma, Voou ao longe a asa da minh'alma E nunca, nunca mais eu me entendi... NOITE DE SAÜDADE A Noite vem pousando devagar Sôbre a terra que inunda de amargura... E nem sequer a bênção do luar A quis tornar divinamente pura... Ninguém vem atrás dela a acompanhar A sua dor que é cheia de tortura... E eu oiço a Noite imensa soluçar! E eu oiço soluçar a Noite escura! Porque és assim tão 'scura, assim tão triste? É que talvez, ó Noite, em ti existe Uma Saüdade igual à que eu contenho! Saüdade que eu não sei donde me vem... Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!... Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!! ANGÚSTIA Tortura do pensar! Triste lamento! Quem nos dera calar a tua voz! Quem nos dera cá dentro, muito, a sós, Estrangular a hidra num momento! E não sequer pensar!... E o pensamento Sempre a morder-nos bem, dentro de nós... Qu'rer apagar no Céu--Ó sonho atroz!-- O brilho duma estrêla, com o vento!... E não se apaga, não... nada se apaga. Vem sempre rastejando como a vaga... Vem sempre preguntando: «O que te resta?...» Ah! não ser mais que o vago, o infinito! Ser pedaço de gelo, ser granito, Ser rugido de tigre na floresta! AMIGA Deixa-me ser tua amiga, Amor; A tua amiga só, já que não queres Que pelo teu amor seja a melhor A mais triste de tôdas as mulheres. Que só, de ti, me venha mágoa e dor O que me importa a mim?! O que quiseres. É sempre um sonho bom! Seja o que fôr Bemdito sejas tu por mo dizeres! Beija-me as mãos, Amor, devagarinho... Como se os dois nascessemos irmãos, Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho... Beija-mas bem!... Que fantasia louca Guardar assim, fechados, nestas mãos, Os beijos que sonhei p'ra minha bôca... DESEJOS VÃOS Eu qu'ria ser o Mar d'altivo porte Que ri e canta, a vastidão imensa! Eu qu'ria ser a pedra que não pensa, A Pedra do caminho, rude e forte! Eu qu'ria ser o sol, a luz intensa, O bem do que é humilde e não tem sorte! Eu qu'ria ser a árvore tôsca e densa Que ri do mundo vão e até da morte! Mas o Mar tambêm chora de tristeza... As árvores, tambêm, como quem reza, Abrem, aos Céus os braços, como um crente! E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia, Tem lágrimas de sangue na agonia! E as Pedras... essas... pisa-as tôda a gente!... PIOR VELHICE Sou vélha e triste. Nunca o alvorocer Dum riso são andou na minha bôca! Gritando que me acudam, em voz rouca, Eu, Náufraga da Vida, ando a morrer! A Vida que ao nascer enfeita e touca D'alvas rosas, a fronte da mulher, Na minha fronte mística de louca Martírios só poisou a emmurchecer! E dizem que sou nova... A mocidade Estará só, então, na nossa idade, Ou está em nós e em nosso peito mora?!... Tenho a pior velhice, a que é mais triste, Aquela onde nem sequer existe Lembrança de ter sido nova... outrora... A UM LIVRO No silêncio de cinzas do meu Ser Agita-se uma sombra de cipreste. Sombra roubada ao livro que ando a ler A êsse livro de mágoas que me deste. Estranho livro aquêle que escreveste, Artista da saüdade e do sofrer! Estranho livro aquêle em que puseste Tudo o que eu sinto, sem poder dizer! Leio-o e folheio, assim, tôda a minh'alma! O livro que me deste é meu e psalma As orações que choro e rio e canto!... Poeta igual a mim, ai quem me dera Dizer o que tu dizes!... Quem soubera Velar a minha Dor dêsse teu manto!... ALMA PERDIDA Tôda esta noite o rouxinol chorou, Gemeu, rezou, gritou perdidamente! Alma de rouxinol, alma da gente, Tu és, talvez, alguém que se finou! Tu és, talvez, um sonho que passou, Que se fundiu na Dor, suavemente... Talvez sejas a alma, alma doente D'alguém que quis amar e nunca amou! Tôda a noite choraste... e eu chorei Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei Que ninguém é mais triste do que nós! Contaste tanta coisa à noite calma, Que eu pensei que tu eras a minh'alma Que chorasse perdida em tua voz!... DE JOELHOS «Bemdita seja a mãe que te gerou.» Bemdito o leite que te fêz crescer. Bemdito o berço aonde te embalou A tua alma, p'ra te adormecer! Bemdita essa canção que acalentou Da tua vida o doce alvorecer... Bemdita seja a lua que inundou De luz, a terra, só para te ver... Bemditos sejam todos que te amarem, As que em volta de ti ajoelharem Numa grande paixão fervente e louca! E se mais que eu, um dia, te quiser Alguém, bemdita seja essa Mulher, Bemdito seja o beijo dessa bôca!! LANGUIDEZ Tardes da minha terra, doce encanto, Tardes duma pureza d'açucenas, Tardes de sonho, as tardes de novenas, Tardes de Portugal, as tardes d'Anto, Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!... Horas bemditas, leves como penas, Horas de fumo e cinza, horas serenas, Minhas horas de dor em que eu sou santo! Fecho as pálpebras roxas, quási pretas, Que poisam sôbre duas violetas, Asas leves cansadas de voar... E a minha bôca tem uns beijos mudos... E as minhas mãos, uns pálidos veludos, Traçam gestos de sonho pelo ar... PARA QUÊ? Tudo é vaidade neste mundo vão... Tudo é tristeza; Tudo é pó, é nada! E mal desponta em nós a madrugada, Vem logo a noite encher o coração! Até o amor nos mente, essa canção Que o nosso peito ri à gargalhada, Flor que é nascida e logo desfolhada, Pétalas que se pisam pelo chão! Beijos d'amor! P'ra quê?!... Tristes vaidades! Sonhos que logo são realidades, Que nos deixam a alma como morta! Só acredita nêles quem é louca! Beijos d'amor que vão de bôca em bôca, Como pobres que vão de porta em porta!... AO VENTO O vento passa a rir, torna a passar, Em gargalhadas ásp'ras de demente; E esta minh'alma trágica e doente Não sabe se há de rir, se há de chorar! Vento de voz tristonha, voz plangente, Vento que ris de mim, sempre a troçar, Vento que ris do mundo e do amar, A tua voz tortura tôda a gente!... Vale-te mais chorar, meu pobre amigo! Desabafa essa dor a sós comigo, E não rias assim!... Ó vento, chora! Que eu bem conheço, amigo, êsse fadário Do nosso peito ser como um calvário, E a gente andar a rir p'la vida fora!!... TÉDIO Passo pálida e triste. Oiço dizer «Que branca que ela é! Parece morta!» E eu que vou sonhando, vaga, absorta, Não tenho um gesto, ou um olhar sequer... Que diga o mundo e a gente o que quiser! --O que é que isso me faz?... O que me importa?... O frio que trago dentro gela e corta Tudo que é sonho e graça na mulher! O que é que me importa?! Essa tristeza É menos dor intensa que frieza, É um tédio profundo de viver! E é tudo sempre o mesmo, eternamente... O mesmo lago plácido, dormente... E os dias, sempre os mesmos, a correr... MINHA TRAGÉDIA Tenho ódio à luz e raiva à claridade Do sol, alegre, quente, na subida. Parece que a minh'alma é perseguida Por um carrasco cheio de maldade! Ó minha vã, inútil mocidade Trazes-me embriagada, entontecida!... Duns beijos que me destes noutra vida, Trago em meus lábios roxos, a saüdade!... Eu não gosto do sol, eu tenho mêdo Que me leiam nos olhos o segrêdo De não amar ninguém, de ser assim! Gosto da Noite imensa, triste, preta, Como esta estranha e doida borboleta Que eu sinto sempre a voltejar em mim!... SEM REMÉDIO Aquêles que me têm muito amor Não sabem o que sinto e o que sou... Não sabem que passou, um dia a Dor, Á minha porta e, nesse dia, entrou. E é desde então que eu sinto êste pavor, Êste frio que anda em mim, e que gelou O que de bom me deu Nosso Senhor! Se eu nem sei por onde ando e onde vou!! Sinto os passos da Dor, essa cadência Que é já tortura infinda, que é demência! Que é já vontade doida de gritar! E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio, A mesma angústia funda, sem remédio, Andando atrás de mim, sem me largar... MAIS TRISTE É triste, diz a gente, a vastidão Do Mar imenso! E aquela voz fatal Com que êle fala, agita o nosso mal! E a Noite é triste como a Extrêma-Unção! É triste e dilacera o coração Um poente do nosso Portugal! E não vêem que eu sou... eu... afinal, A coisa mais magoada das que o são?!... Poentes d'agonia trago-os eu Dentro de mim e tudo quanto é meu É um triste poente de amargura! E a vastidão do Mar, tôda essa água Trago-a dentro de mim num Mar de Mágoa! E a Noite sou eu própria! A Noite escura!! VÈLHINHA Se os que me viram já cheia de graça Olharem bem de frente para mim, Talvez, cheios de dor digam assim: «Já ela é vélha! Como o tempo passa!...» Não sei rir e cantar por mais que faça! Ó minhas mãos talhadas em marfim, Deixem êsse fio d'oiro que esvoaça! Deixem correr a vida até ao fim! Tenho vinte-e-três anos! Sou vèlhinha! Tenho cabelos brancos e sou crente... Já murmuro orações... falo sòzinha... E o bando côr de rosa dos carinhos Que tu me fazes, olho-os indulgente, Como se fôsse um bando de nétinhos... EM BUSCA DO AMOR O meu Destino disse-me a chorar: «Pela estrada da Vida vai andando; E, aos que vires passar, interrogando Acêrca do Amor que hás de encontrar.» Fui pela estrada a rir e a cantar, As contas do meu sonho desfiando... E noite e dia, à chuva e ao luar, Fui sempre caminhando e preguntando... Mesmo a um vélho eu preguntei: «Vèlhinho Viste o Amor acaso em teu caminho?» E o vélho estremeceu... olhou... e riu... Agora pela estrada, já cansados Voltam todos p'ra trás desanimados... E eu paro a murmurar: «Ninguém o viu!...» IMPOSSÍVEL Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste: «Parece Sexta-feira de Paixão. Sempre a cismar, cismar, d'olhos no chão, Sempre a pensar na dor que não existe... O que é que tem?! Tão nova e sempre triste! Faça por 'star contente! Pois então?!...» Quando se sofre o que se diz é vão... Meu coração, tudo, calado ouviste... Os meus males ninguém mos adivinha... A minha Dor não fala, anda sòzinha... Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!... Os males d'Anto tôda a gente os sabe! Os meus... ninguém... A minha Dor não cabe Nos cem milhões de versos que eu fizera!... * * * * * LIVRO DE SÓROR SAÜDADE (1923) Irmã, Sóror Saüdade, ah! se eu pudesse Tocar de aspiração a nossa vida, Fazer do mundo a Terra Prometida Que ainda em sonho às vezes me aparece! =Américo Durão=. Il n'a pas à se plaindre celui qui attend un sentiment plus ardent et plus généreux. Il n'a pas à se plaindre celui qui attend le désir d'un peu plus de bonheur, d'un peu plus de beauté, d'un peu plus de justice. =Maeterlinck=--La Sagesse et la Destinée. SÓROR SAÜDADE A Américo Durão. Irmã, Sóror Saüdade me chamaste... E na minh'alma o nome iluminou-se Como um vitral ao sol, como se fôsse A luz do próprio sonho que sonhaste. Numa tarde de outono o murmuraste: Tôda a mágoa do outono êle me trouxe: Jamais me hão de chamar outro mais doce: Com êle bem mais triste me tornaste... E baixinho, na alma de minh'alma, Como bênção de sol que afaga e acalma, Nas horas más de febre e de ansiedade, Como se fôssem pétalas caindo, Digo as palavras dêsse nome lindo Que tu me deste: Irmã, Sóror Saüdade... O NOSSO LIVRO A A. G. Livro do meu amor, do teu amor, Livro do nosso amor, do nosso peito... Abre-lhe as fôlhas devagar, com geito, Como se fôssem pétalas de flor. Olha que eu outro já não sei compor Mais santamente triste, mais perfeito. Não esfolhes os lírios com que é feito Que outros não tenho em meu jardim de dor! Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu! Num sorriso tu dizes e digo eu: Versos só nossos mas que lindos sois! Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente Dirá, fechando o livro docemente: «Versos só nossos, só de nós os dois!...» O QUE TU ÉS És Aquela que tudo te entristece, Irrita e amargura, tudo humilha; Aquela a quem a Mágoa chamou filha; A que aos homens e a Deus nada merece. Aquela que o sol claro entenebrece, A que nem sabe a estrada que ora trilha, Que nem um lindo amor de maravilha Sequer deslumbra, e ilumina e esquece! Mar-Morto sem marés nem ondas largas, A rastejar no chão, como as mendigas, Todo feito de lágrimas amargas! És ano que não teve primavera... Ah! Não seres como as outras raparigas Ó Princesa Encantada da Quimera!... FANATISMO Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida, Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer razão do meu viver, Pois que tu és já tôda a minha vida! Não vejo nada assim enlouquecida... Passo no mundo, meu Amor, a ler No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida! «Tudo no mundo é frágil, tudo passa...» Quando me dizem isto, tôda a graça Duma bôca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, digo de-rastros: «Ah! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus: Principio e Fim!...» ALENTEJANO Á Buja. Deu agora meio-dia; o sol é quente Beijando a urze triste dos outeiros. Nas ravinas do monte andam ceifeiros Na faina, alegres, desde o sol nascente. Cantam as raparigas, brandamente, Brilham os olhos negros, feiticeiros; E há perfis delicados e trigueiros Entre as altas espigas d'oiro ardente. A terra prende aos dedos sensuais A cabeleira loira dos trigais Sob a bênção dulcíssima dos céus. Há gritos arrastados de cantigas... E eu sou uma daquelas raparigas... E tu passas e dizes: «Salve-os Deus!» FUMO Longe de ti são ermos os caminhos, Longe de ti não há luar nem rosas, Longe de ti há noites silenciosas, Há dias sem calor, beirais sem ninhos! Meus olhos são dois vélhos pobrezinhos Perdidos pelas noites invernosas... Abertos, sonham mãos cariciosas, Tuas mãos doces, plenas de carinhos! Os dias são outonos: choram... choram... Há crisântemos roxos que descoram... Há murmúrios dolentes de segredos... Invoco o nosso sonho! Estendo os braços! E êle é, ó meu Amor, pelos espaços, Fumo leve que foge entre os meus dedos!... QUE IMPORTA?... Eu era a desdenhosa, a indiferente. Nunca sentira em mim o coração Bater em violências de paixão, Como bate no peito à outra gente. Agora, olhas-me tu altivamente, Sem sombra de desejo ou de emoção. Emquanto as asas loiras da ilusão Abrem dentro de mim ao sol nascente. Minh'alma, a pedra, transformou-se em fonte: Como nascida em carinhoso monte, Tôda ela é riso e é frescura e graça! Nela refresca a bôca um só instante... Que importa?... Se o cansado viandante Bebe em tôdas as fontes... quando passa?... MEU ORGULHO Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera Não me lembrar! Em tardes dolorosas Eu lembro-me que fui a primavera Que em muros vélhos fêz nascer as rosas! As minhas mãos outrora carinhosas. Pairavam como pombas... Quem soubera Porque tudo passou e foi quimera, E porque os muros vélhos não dão rosas! São sempre os que eu recordo que me esquecem... Mas digo para mim «não me merecem...» E já não fico tão abandonada! Sinto que valho mais, mais pobrezinha: Que também é orgulho ser sòzinha, E também é nobreza não ter nada! OS VERSOS QUE TE FIZ Deixa dizer-te os lindos versos raros Que a minha bôca tem p'ra te dizer! São talhados em mármore de Paros Cinzelados por mim p'ra te oferecer. Têm dolência de veludos caros, São como sêdas pálidas a arder... Deixa dizer-te os lindos versos raros Que foram feitos p'ra te endoidecer! Mas, meu Amor, eu não t'os digo ainda... Que a bôca da mulher é sempre linda Se dentro guarda um verso que não diz! Amo-te tanto! E nunca te beijei... E nesse beijo, Amor, que eu te não dei Guardo os versos mais lindos que te fiz! FRIEZA Os teus olhos são frios como as espadas, E claros como os trágicos punhais; Têm brilhos cortantes de metais E fulgores de lâminas geladas. Vejo nêles imagens retratadas De abandonos cruéis e desleais, Fantásticos desejos irreais, E todo o oiro e o sol das madrugadas! Mas não te invejo, Amor, essa indiferença, Que viver neste mundo sem amar É pior que ser cego de nascença! Tu invejas a dor que vive em mim! E quanta vez dirás a soluçar: «Ah! Quem me dera, Irmã amar assim...» O MEU MAL A meu Irmão. Eu tenho lido em mim, sei-me de cor, Eu sei o nome ao meu estranho mal: Eu sei que fui a renda dum vitral, Que fui cipreste e caravela e dor! Fui tudo que no mundo há de maior; Fui cisne e lírio e águia e catedral! E fui, talvez, um verso de Nerval, Ou um cínico riso de Chamfort... Fui a heráldica flor de agrestes cardos, Deram as minhas mãos aroma aos nardos... Deu côr ao eloendro a minha bôca... Ah! De Boabdil fui lágrima na Espanha! E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha! Mágoa não sei de quê! Saüdade louca! A NOITE DESCE Como pálpebras roxas que tombassem Sôbre uns olhos cansados, carinhosas, A noite desce... Ah! doces mãos piedosas Que os meus olhos tristíssimos fechassem! Assim mãos de bondade me embalassem! Assim me adormecessem, caridosas, E em braçadas de lírios e mimosas, No crepúsculo que desce me enterrassem! A noite em sombra e fumo se desfaz... Perfume de baunilha ou de lilaz, A noite põe-me embriagada, louca! E a noite vai descendo muda e calma... Meu doce Amor, tu beijas a minh'alma Beijando nesta hora a minha bôca! CARAVELAS Cheguei a meio da vida já cansada De tanto caminhar! Já me perdi! Dum estranho pais que nunca vi Sou neste mundo imenso a exilada. Tanto tenho aprendido e não sei nada. E as tórres de marfim que construí Em trágica loucura as destruí Por minhas próprias mãos de malfadada! Se eu sempre fui assim êste Mar Morto: Mar sem marés, sem vagas e sem pôrto Onde velas de sonhos se rasgaram! Caravelas doiradas a bailar... Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar! As que eu lançei à vida e não voltaram!... INCONSTÂNCIA Procurei o amor, que me mentiu. Pedi à Vida mais do que ela dava; Eterna sonhadora edificava Meu castelo de luz que me caiu! Tanto clarão nas trevas refulgiu, E tanto beijo a bôca me queimava! E era o sol que os longes deslumbrava Igual a tanto sol que me fugiu! Passei a vida a amar e a esquecer... Atrás do sol dum dia outro a aquecer As brumas dos atalhos por onde ando... E êste amor que assim me vai fugindo É igual a outro amor que vai surgindo, Que há de partir também... nem eu sei quando... O NOSSO MUNDO Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos Como um divino vinho de Falerno! Poisando em ti o meu olhar eterno Como poisam as fôlhas sôbre os lagos... Os meus sonhos agora são mais vagos... O teu olhar em mim, hoje é mais terno... E a Vida já não é o rubro inferno Todo fantasmas tristes e presagos! A Vida, meu Amor, quero vivê-la! Na mesma taça erguida em tuas mãos. Bôcas unidas hemos de bebê-la! Que importa o mundo e as ilusões defuntas?... Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?... O mundo, Amor!... As nossas bôcas juntas!... PRINCE CHARMANT... A Raúl Proença. No lânguido esmaecer das amorosas Tardes que morrem voluptuosamente Procurei-O no meio de tôda a gente. Procurei-O em horas silenciosas! Ó noites da minh'alma tenebrosas! Bôcas sangrando beijos, flor que sente... Olhos postos num sonho, humildemente... Mãos cheias de violetas e de rosas... E nunca O encontrei!... Prince Charmant... Como audaz cavaleiro em vélhas lendas Virá, talvez, nas névoas da manhã! Em tôda a nossa vida anda a quimera Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas... --Nunca se encontra Aquêle que se espera...-- ANOITECER A luz desmaia num fulgor d'aurora, Diz-nos adeus religiosamente... E eu que não creio em nada, sou mais crente Do que em menina, um dia, o fui... outrora... Não sei o que em mim ri, o que em mim chora, Tenho bênçãos d'amor p'ra tôda a gente! E a minha alma sombria e penitente Soluça no infinito desta hora... Horas tristes que são o meu rosário... Ó minha cruz de tão pesado lenho! Ó meu áspero e intérmino Calvário! E a esta hora tudo em mim revive: Saüdades de saüdades que não tenho... Sonhos que são os sonhos dos que eu tive... ESFINGE Sou filha da charneca erma e selvagem: Os giestais, por entre os rosmaninhos, Abrindo os olhos d'oiro, p'los caminhos, Desta minh'alma ardente são a imagem. E ansiosa desejo--ó vã miragem-- Que tu e eu, em beijos e carinhos. Eu a Charneca, e tu o Sol, sòzinhos, Fôssemos um pedaço da païsagem! E à noite, à hora doce da ansiedade, Ouviria da bôca do luar O _De Profundis_ triste da saüdade... E, à tua espera, emquanto o mundo dorme, Ficaria, olhos quietos, a cismar... Esfinge olhando, na planície enorme... TARDE DEMAIS Quando chegaste emfim, para te ver Abriu-se a noite em mágico luar; E p'ra o som de teus passos conhecer Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar... Chegaste, emfim! Milagre de endoidar! Viu-se nessa hora o que nâo pode ser: Em plena noite, a noite iluminar E as pedras do caminho florescer! Beijando a areia d'oiro dos desertos Procurara-te em vão! Braços abertos, Pés nus, olhos a rir, a bôca em flor! E há cem anos que eu era nova e linda!... E a minha bôca morta grita ainda: Porque chegaste tarde, ó meu Amor?!... CINZENTO Poeiras de crepúsculos cinzentos. Lindas rendas vèlhinhas, em pedaços, Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços, Como brancos fantasmas, sonolentos... Monges soturnos deslizando lentos, Devagarinho, em misteriosos passos... Perde-se a luz em lânguidos cansaços... Ergue-se a minha cruz dos desalentos! Poeiras de crepúsculos tristonhos, Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos, A névoa das saüdades que deixaste! Hora em que o teu olhar me deslumbrou... Hora em que a tua bôca me beijou... Hora em que fumo e névoa te tornaste... NOTURNO Amor! Anda o luar, todo bondade, Beijando a terra, a desfazer-se em luz... Amor! São os pés brancos de Jesus Que andam pisando as ruas da cidade! E eu ponho-me a pensar... Quanta saüdade Das ilusões e risos que em ti pus! Traçaste em mim os braços duma cruz, Nêles pregaste a minha mocidade! Minh'alma, que eu te dei, cheia de mágoas, É nesta noite o nenúfar dum lago Estendendo as asas brancas sôbre as águas! Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho, Fecha-os num beijo dolorido e vago... E deixa-me chorar devagarinho... MARIA DAS QUIMERAS Maria das Quimeras me chamou Alguém... Pelos castelos que eu ergui, P'las flores d'oiro e azul que a sol teci Numa tela de sonho que estalou. Maria das Quimeras me ficou; Com elas na minh'alma adormeci. Mas, quando despertei, nem uma vi, Que da minh'alma, Alguém, tudo levou! Maria das Quimeras, que fim deste Ás flores d'oiro e azul que a sol bordaste, Aos sonhos tresloucados que fizeste? Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?... Aonde estão os beijos que sonhaste, Maria das Quimeras, sem quimeras? SAÜDADES Saüdades! Sim... talvez... e porque não?... Se o nosso sonho foi tão alto e forte Que bem pensara vê-lo até à morte Deslumbrar-me de luz o coração! Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão! Que tudo isso, Amor, nos não importe. Se êle deixou beleza que conforte Deve-nos ser sagrado como o pão! Quantas vezes, Amor, já te esqueci, Para mais doidamente me lembrar, Mais doidamente me lembrar de ti! E quem dera que fôsse sempre assim: Quanto menos quisesse recordar Mais a saüdade andasse prêsa a mim! RUÍNAS Se é sempre outono o rir das primaveras, Castelos, um a um deixa-os cair... Que a vida é um constante derruir De palácios do Reino das Quimeras! E deixa sôbre as ruínas crescer heras. Deixa-as beijar as pedras e florir! Que a vida é um continuo destruir De palácios do Reino das Quimeras! Deixa tombar meus rútilos castelos! Tenho ainda mais sonhos para erguê-los Mais altos do que as águias pelo ar! Sonhos que tombam! Derrocada louca! São como os beijos duma linda bôca! Sonhos!... Deixa-os tombar... deixa-os tombar... CREPÚSCULO Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes Borboletas de sol, de asas magoadas. Poisam nos meus, suaves e cansadas, Como em dois lírios roxos e dolentes... E os lírios, fecham... Meu amor não sentes? Minha bôca tem rosas desmaiadas, E as minhas pobres mãos são maceradas Como vagas saüdades de doentes... O silêncio abre as mãos... entorna rosas... Andam no ar carícias vaporosas Como pálidas sêdas, arrastando... E a tua bôca rubra ao pé da minha É na suavidade da tardinha Um coração ardente, palpitando... ÓDIO? Á Aurora Aboim. Ódio por êle? Não... Se o amei tanto, Se tanto bem lhe quis no meu passado. Se o encontrei depois de o ter sonhado, Se à vida assim roubei todo o encanto... Que importa se mentiu? E se hoje o pranto Turva o meu triste olhar, marmorizado, Olhar de monja, trágico, gelado, Como um soturno e enorme Campo Santo! Ah! Nunca mais amá-lo é já bastante! Quero senti-lo doutra, bem distante, Como se fôra meu, calma e serena! Ódio seria em mim saüdade infinda, Mágoa de o ter perdido, amor ainda. Ódio por êle? Não... não vale a pena... RENÚNCIA A minha mocidade outrora eu pus No tranqüilo convento da tristeza; Lá passa dias, noites, sempre prêsa, Olhos fechados, magras mãos em cruz... Lá fora, a Lua, Satanaz, seduz! Desdobra-se em requintes de Beleza... É como um beijo ardente a Natureza... A minha cela é como um rio de luz... Fecha os teus olhos bem! Não vejas nada! Empalidece mais! E, resignada, Prende os teus braços a uma cruz maior! Gela ainda a mortalha que te encerra! Enche a bôca de cinzas e de terra, Ó minha mocidade tôda em flor! A VIDA É vão o amor, o ódio, ou o desdém; Inútil o desejo e o sentimento... Lançar um grande amor aos pés d'alguém O mesmo é que lançar flores ao vento! Todos somos no mundo um «Pedro Sem», Uma alegria é feita dum tormento, Um riso é sempre o eco dum lamento, Sabe-se lá um beijo donde vem! A mais nobre ilusão morre... desfaz-se... Uma saüdade morta em nós renasce Que no mesmo momento é já perdida... Amar-te a vida inteira eu não podia. A gente esquece sempre o bem dum dia. Que queres, meu Amor, se é isto a vida!... HORAS RUBRAS Horas profundas, lentas e caladas Feitas de beijos sensuais e ardentes, De noites de volúpia, noites quentes Onde há risos de virgens desmaiadas... Oiço as olaias rindo desgrenhadas... Tombam astros em fogo, astros dementes. E do luar os beijos languescentes São pedaços de prata p'las estradas... Os meus lábios são brancos como lagos... Os meus braços são leves como afagos, Vestiu-os o luar de sêdas puras... Sou chama e neve branca e misteriosa... E sou, talvez, na noite voluptuosa, Ó meu Poeta, o beijo que procuras! SUAVIDADE Poisa a tua cabeça dolorida Tão cheia de quimeras, de ideal, Sôbre o regaço branco e maternal Da tua doce Irmã compadecida. Hás de contar-me nessa voz tão qu'rida A tua dor que julgas sem igual, E eu, p'ra te consolar, direi o mal Que à minha alma profunda fêz a Vida. E hás de adormecer nos meus joelhos... E os meus dedos enrugados, vélhos, Hão de fazer-se leves e suaves... Hão de pousar-se num fervor de crente. Rosas brancas tombando docemente, Sôbre o teu rosto, como penas d'aves... PRINCESA DESALENTO Minh'alma é a Princesa Desalento, Como um Poeta lhe chamou, um dia. É magoada e pálida e sombria, Como soluços trágicos do vento! É frágil como o sonho dum momento; Soturna como preces de agonia, Vive do riso duma bôca fria: Minh'alma é a Princesa Desalento... Altas horas da noite ela vagueia... E ao luar suavíssimo, que anseia, Põe-se a falar de tanta coisa morta! O luar ouve a minh'alma, ajoelhado, E vai traçar, fantástico e gelado, A sombra duma cruz à tua porta... SOMBRA De olheiras roxas, roxas, quási pretas, De olhos límpidos, doces, languescentes, Lagos em calma, pálidos, dormentes. Onde se debruçassem violetas... De mãos esguias, finas hastes quietas, Que o vento não baloiça em noites quentes... Nocturno de Chopin... risos dolentes... Versos tristes em sonhos de Poetas... Beijo doce de aromas perturbantes... Rosal bemdito que dá rosas... Dantes Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!... Oh tanta cinza morta... o vento a leve! Vou sendo agora em ti a sombra leve D'alguém que dobra a curva duma estrada... HORA QUE PASSA Vejo-me triste, abandonada e só Bem como um cão sem dono e que o procura, Mais pobre e desprezada do que Job A caminhar na via da amargura! Judeu Errante que a ninguém faz dó! Minh'alma triste, dolorida e escura, Minh'alma sem amor é cinza e pó, Vaga roubada ao Mar da Desventura! Que tragédia tão funda no meu peito!... Quanta ilusão morrendo que esvoaça! Quanto sonho a nascer e já desfeito! Deus! Como é triste a hora quando morre... O instante que foge, vôa, e passa... Fiozinho d'água triste... a vida corre... DA MINHA JANELA Mar alto! Ondas quebradas e vencidas Num soluçar aflito e murmurado... Vôo de gaivotas, leve, imaculado, Como neves nos píncaros nascidas! Sol! Ave a tombar, asas já feridas, Batendo ainda num arfar pausado... Ó meu doce poente torturado Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas! Meu verso de Samain cheio de graça, 'Inda não és clarão já és luar Como um branco lilaz que se desfaça! Amor! Teu coração trago-o no peito... Pulsa dentro de mim como êste mar Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!... SOL POENTE Tardinha... «Ave Maria, Mãe de Deus...» E reza a voz dos sinos e das noras... O sol que morre tem clarões d'auroras, Águia que bate as asas pelos céus! Horas que tem a côr dos olhos teus... Horas evocadoras doutras horas... Lembranças de fantásticos outroras, De sonhos que não tenho e que eram meus! Horas em que as saüdades, p'las estradas Inclinam as cabeças mart'risadas E ficam pensativas... meditando... Morrem verbenas silenciosamente... E o rubro sol da tua bôca ardente Vai-me a pálida bôca desfolhando... EXALTAÇÃO Viver!... Beber o vento e o sol!... Erguer Ao céu os corações a palpitar! Deus fêz os nossos braços p'ra prender, E a bôca fêz-se sangue p'ra beijar! A chama, sempre rubra, ao alto a arder!... Asas sempre perdidas a pairar, Mais alto para as estrêlas desprender!... A glória!... A fama!... O orgulho de criar!... Da vida tenho o mel e tenho os travos No lago dos meus olhos de violetas, Nos meus beijos extáticos, pagãos!... Trago na bôca o coração dos cravos! Boémios, vagabundos, e poetas: --Como eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!... * * * * * CHARNECA EM FLOR _Amar, amar, amar, amar, siempre y con todo El ser y con la tierra y con el cielo, Con lo claro del sol y lo obscuro del lodo, Amar por toda ciencia y amar por todo anhelo._ _Y cuando la montaña de la vida Nos sea dura y larga, y alta, y llena de abismos, Amar la immensidad, que es de amor encendida, Y arder en la fusión de nuestros pechos mismos..._ RUBÉN DARÍO. CHARNECA EM FLOR Enche o meu peito, num encanto mago, O frémito das coisas dolorosas... Sob as urzes queimadas nascem rosas... Nos meus olhos as lágrimas apago... Anseio! Asas abertas! O que trago Em mim? Eu oiço bôcas silenciosas Murmurar-me as palavras misteriosas Que perturbam meu ser como um afago! E, nesta febre ansiosa que me invade, Dispo a minha mortalha, o meu burel, E, já não sou, Amor, Sóror Saüdade... Olhos a arder em êxtases de amor, Bôca a saber a sol, a fruto, a mel: Sou a charneca rude a abrir em flor! VERSOS DE ORGULHO O mundo quer'me mal porque ninguém Tem asas como eu tenho! Porque Deus Me fêz nascer Princesa entre plebeus Numa tôrre de orgulho e de desdém. Porque o meu Reino fica para além... Porque trago no olhar os vastos céus E os oiros e clarões são todos meus! Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém! O mundo? O que é o mundo, ó meu Amor? --O jardim dos meus versos todo em flor... A seara dos teus beijos, pão bemdito... Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços... --São os teus braços dentro dos meus braços Via-láctea fechando o Infinito. RÚSTICA Ser a moça mais linda do povoado, Pisar, sempre contente, o mesmo trilho, Ver descer sôbre o ninho aconchegado A bênção do Senhor em cada filho. Um vestido de chita bem lavado, Cheirando a alfazema e a tomilho... Com o luar matar a sêde ao gado, Dar às pombas o sol num grão de milho... Ser pura como a água da cisterna, Ter confiança numa vida eterna Quando descer à «terra da verdade»... Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza! Dou por elas meu trono de Princesa, E todos os meus Reinos de Ansiedade. REALIDADE Em ti o meu olhar fêz-se alvorada E a minha voz fêz-se gorjeio de ninho... E a minha rubra bôca apaixonada Teve a frescura pálida do linho... Embriagou-me o teu beijo como um vinho Fulvo de Espanha, em taça cinzelada... E a minha cabeleira desatada Pôs a teus pés a sombra dum caminho... Minhas pálpebras são côr de verbena, Eu tenho os olhos garços, sou morena, E para te encontrar foi que eu nasci... Tens sido vida fora o meu desejo E agora, que te falo, que te vejo, Não sei se te encontrei... se te perdi... CONTO DE FADAS Eu trago-te nas mãos o esquecimento Das horas más que tens vivido, Amor! E para as tuas chagas o ungüento Com que sarei a minha própria dor. Os meus gestos são ondas de Sorrento... Trago no nome as letras duma flor... Foi dos meus olhos garços que um pintor Tirou a luz para pintar o vento... Dou-te o que tenho: o astro que dormita, O manto dos crepúsculos da tarde, O sol que é de oiro, a onda que palpita. Dou-te, comigo, o mundo que Deus fêz! --Eu sou Aquela de quem tens saüdade, A princesa do conto: «Era uma vez...» A UM MORIBUNDO Não tenhas mêdo, não! Tranqüilamente, Como adormece a noite pelo Outono, Fecha os teus olhos, simples, docemente, Como, à tarde, uma pomba que tem sono... A cabeça reclina levemente E os braços deixa-os ir ao abandôno, Como tombam, arfando, ao sol poente, As asas de uma pomba que tem sono... O que há depois? Depois?... O azul dos céus? Um outro mundo? O eterno nada? Deus? Um abismo? Um castigo? Uma guarida? Que importa? Que te importa, ó moribundo? --Seja o que fôr, será melhor que o mundo! Tudo será melhor do que esta vida!... EU Até agora eu não me conhecia. Julgava que era Eu e eu não era Aquela que em meus versos descrevera Tão clara como a fonte e como o dia. Mas que eu não era Eu não o sabia E, mesmo que o soubesse, o não dissera... Olhos fitos em rútila quimera Andava atrás de mim... e não me via! Andava a procurar-me--pobre louca!-- E achei o meu olhar no teu olhar, E a minha bôca sôbre a tua bôca! E esta ânsia de viver, que nada acalma, É a chama da tua alma a esbrasear As apagadas cinzas da minha alma! PASSEIO AO CAMPO Meu amor! Meu Amante! Meu amigo! Colhe a hora que passa, hora divina, Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo! Sinto-me alegre e forte! Sou menina! Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina... Pele Doirada de alabastro antigo... Frágeis mãos de madona florentina... --Vamos correr e rir por entre o trigo!-- Há rendas de gramíneas pelos montes... Papoilas rubras nos trigais maduros... Água azulada a cintilar nas fontes... E à volta, Amor... tornemos, nas Alfombras Dos caminhos selvagens e escuros, Num astro só as nossas duas sombras!... TARDE NO MAR A tarde é de oiro rútilo: esbraseia O horizonte: um cacto purpurino. E a vaga esbelta que palpita e ondeia, Com uma frágil graça de menino, Poisa o manto de arminho na areia E lá vai, e lá segue o seu destino! E o sol, nas casas brancas que incendeia, Desenha mãos sangrentas de assassino! Que linda tarde aberta sôbre o mar! Vai deitando do céu molhos de rosas Que Apolo se entretem a desfolhar... E, sôbre mim, em gestos palpitantes, As tuas mãos morenas, milagrosas, São as asas do sol, agonizantes... SE TU VIESSES VER-ME... Se tu viesses ver-me hoje à tardinha, A essa hora dos mágicos cansaços, Quando a noite de manso se avizinha, E me prendesses tôda nos teus braços... Quando me lembra: êsse sabor que tinha A tua bôca... o eco dos teus passos... O teu riso de fonte... os teus abraços... Os teus beijos... a tua mão na minha... Se tu viesses quando, linda e louca, Traça as linhas dulcíssimas dum beijo E é de sêda vermelha e canta e ri E é como um cravo ao sol a minha bôca... Quando os olhos se me cerram de desejo... E os meus braços se estendem para ti... MISTÉRIO Gosto de ti, ó chuva, nos beirados, Dizendo coisas que ninguém entende! Da tua cantilena se desprende Um sonho de magia e de pecados, Dos teus pálidos dedos delicados Uma alada canção palpita e ascende, Frases que a nossa bôca não aprende, Murmúrios por caminhos desolados. Pelo meu rosto branco, sempre frio, Fazes passar o lúgubre arrepio Das sensações estranhas, dolorosas... Talvez um dia entenda o teu mistério... Quando, inerte, na paz do cemitério, O meu corpo matar a fome às rosas! O MEU CONDÃO Quis Deus dar-me o condão de ser sensível Como o diamante à luz que o alumia, Dar-me uma alma fantástica, impossível: --Um bailado de côr e fantasia! Quis Deus fazer de ti a ambrosia Desta paixão estranha, ardente, incrível! Erguer em mim o facho inextinguível, Como um cinzel vincando uma agonia! Quis Deus fazer-me tua... para nada! --Vãos, os meus braços de crucificada, Inúteis, êsses beijos que te dei! Anda! Caminha! Aonde?... Mas por onde? Se a um gesto dos teus a sombra esconde O Caminho de estrêlas que tracei... AS MINHAS MÃOS As minhas mãos magritas, afiladas, Tão brancas como a água da nascente, Lembram pálidas rosas entornadas Dum regaço de Infanta do Oriente. Mãos de ninfa, de fada, de vivente, Pobrezinhas em sêdas enroladas, Virgens mortas em luz amortalhadas Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente. Magras e brancas... Foram assim feitas... Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas... Tão doces que elas são! Tão a meu gôsto! P'ra que as quero eu--Deus!--P'ra que as quero eu?! Ó minhas mãos, aonde está o céu? ...Aonde estão as linhas do teu rosto? NOITINHA A noite sôbre nós se debruçou... Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora! O luar, pelas colinas, nesta hora, É a água dum gomil que se entornou... Não sei quem tanta pérola espalhou! Murmura alguém pelas quebradas fora... Flores do campo, humildes, mesmo agora, A noite, os olhos brandos, lhes fechou... Fumo beijando o colmo dos casais... Serenidade idílica de fontes, E a voz dos rouxinóis nos salgueirais... Tranqüilidade... calma... anoitecer... Num êxtase, eu escuto pelos montes O coração das pedras a bater... LEMBRANÇA Fui Essa que nas ruas esmolou E fui a que habitou Paços Reais; No mármore de curvas ogivais Fui Essa que as mãos pálidas poisou... Tanto poeta em versos me cantou! Fiei o linho à porta dos casais... Fui descobrir a Índia e nunca mais Voltei! fui essa nau que não voltou... Tenho o perfil moreno, lusitano, E os olhos verdes, côr do verde Oceano, Sereia que nasceu de navegantes... Tudo em cinzentas brumas se dilui... Ah, quem me dera ser Essas que eu fui, As que me lembro de ter sido... dantes!... A NOSSA CASA A nossa casa, Amor, a nossa casa! Onde está ela, Amor, que não a vejo? Na minha doida fantasia em brasa Constrói-a num instante, o meu desejo! Onde está ela, Amor, a nossa casa, O bem que neste mundo mais invejo? O brando ninho aonde o nosso beijo Será mais puro e doce que uma asa? Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos, Andamos de mãos dadas, nos caminhos Duma terra de rosas, num jardim, Num país de ilusão que nunca vi... E que eu moro--tão bom,--dentro de ti E tu, ó meu Amor, dentro de mim... MENDIGA Na vida nada tenho e nada sou; Eu ando a mendigar pelas estradas... No silêncio das noites estreladas Caminho, sem saber para onde vou! Tinha o manto do sol... quem m'o roubou?! Quem pisou minhas rosas desfolhadas?! Quem foi que sôbre as ondas revoltadas A minha taça de oiro espedaçou?! Agora vou andando e mendigando, Sem que um olhar dos mundos infinitos Veja passar o verme, rastejando... Ah, quem me dera ser como os chacais Uivando os brados, rouquejando os gritos Na solidão dos ermos matagais!... SUPREMO ENLEIO Quanta mulher no teu passado, quanta! Tanta sombra em redor! Mas que me importa? Se delas veio o sonho que conforta, A sua vinda foi três vezes santa! Erva do chão que a mão de Deus levanta, Fôlhas murchas de rojo à tua porta... Quando eu fôr uma pobre coisa morta, Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta! Mas eu sou a manhã: apago estrêlas! Hás de ver-me, beijar-me em tôdas elas, Mesmo na bôca da que fôr mais linda! E quando a derradeira, emfim, vier, Nesse corpo vibrante de mulher Será o meu que hás de encontrar ainda... TOLEDO Diluído numa taça de oiro a arder Toledo é um rubi. E hoje é só nosso! O sol a rir... Viv'alma... Não esboço Um gesto que me não sinta esvaecer... As tuas mãos tateiam-me a tremer... Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço É como um jasmineiro em alvoroço Ébrio de sol, de aroma, de prazer! Cerro um pouco o olhar onde subsiste Um romântico apêlo vago e mudo, --Um grande amor é sempre grave e triste. Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo... Uma tôrre ergue ao céu um grito agudo... Tua bôca desfolha-me num beijo... OUTONAL Caem as fôlhas mortas sôbre o lago: Na penumbra outonal, não sei quem tece As rendas do silêncio... Olha, anoitece! --Brumas longínquas do País do Vago... Veludos a ondear... Mistério mago... Encantamento... A hora que não esquece, A luz que a pouco e pouco desfalece, Que lança em mim a bênção dum afago... Outono dos crepúsculos doirados, De púrpuras, damascos e brocados! --Vestes a terra inteira de esplendor! Outono das tardinhas silenciosas, Das magníficas noites voluptuosas Em que eu soluço a delirar de amor... SER POETA Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sêde de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de setim... É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a tôda gente! ALVORECER A noite empalidece. Alvorecer... Ouve-se mais o gargalhar da fonte... Sôbre a cidade muda, o horizonte É uma orquídea estranha a florescer. Há andorinhas prontas a dizer A missa d'alva, mal o sol desponte. Gritos de galos soam monte em monte Numa intensa alegria de viver. Passos ao longe... um vulto que se esvai... Em cada sombra Colombina trai... Anda o silêncio em volta a qu'rer falar... E o luar que desmaia, macerado, Lembra, pálido, tonto, esfarrapado, Um Pierrot, todo branco, a soluçar... MOCIDADE A mocidade esplêndida, vibrante, Ardente, extraordinária, audaciosa, Que vê num cardo a fôlha duma rosa, Na gota de água o brilho dum diamante: Essa que fêz de mim Judeu Errante Do espírito, a torrente caudalosa, Dos vendavais irmã tempestuosa, --Trago-a em mim vermelha, triunfante! No meu sangue rubis correm dispersos: --Chamas subindo ao alto nos meus versos, Papoilas nos meus lábios a florir! Ama-me doida, estonteadoramente, Ó meu Amor! que o coração da gente É tão pequeno... e a vida, água a fugir... AMAR! Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Êste e Aquêle, o Outro e tôda a gente... Amar! Amar! E não amar ninguém! Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente! Há uma primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi p'ra cantar! E se um dia hei de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... p'ra me encontrar... NOSTALGIA Nesse País de lenda, que me encanta, Ficaram meus brocados, que despi, E as jóias que p'las aias reparti Como outras rosas da Raínha Santa! Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta! Foi por lá que as semeei e que as perdi... Mostrem-me êsse País onde eu nasci! Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta! Ó meu País de sonho e de ansiedade, Não sei se esta quimera que me assombra, É feita de mentira ou de verdade! Quero voltar! Não sei por onde vim... Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra Por entre tanta sombra igual a mim! AMBICIOSA Para aquêles fantasmas que passaram, Vagabundos a quem jurei amar, Nunca os meus braços lânguidos traçaram O vôo dum gesto para os alcançar... Se as minhas mãos em garra se cravaram Sôbre um amor em sangue a palpitar... --Quantas panteras bárbaras mataram Só pelo raro gôsto de matar! Minha alma é como a pedra funerária Erguida na montanha solitária Interrogando a vibração dos céus! O amor dum homem?--Terra tão pisada Gota de chuva ao vento baloiçada... Um homem?--Quando eu sonho o amor dum Deus!... CRUCIFICADA Amiga... noiva... irmã... o que quiseres! Por ti, todos os céus terão estrêlas, Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las Ao beijar a esmola que me deres. Podes amar até outras mulheres! --Hei de compor, sonhar palavras belas, Lindos versos de dor só para elas, Para em lânguidas noites lhes dizeres! Crucificada em mim, sôbre os meus braços, Hei de poisar a bôca nos teus passos P'ra não serem pisados por ninguém. E depois... Ah! Depois de dores tamanhas Nascerás outra vez de outras entranhas, Nascerás outra vez de uma outra Mãe! ESPERA... Não me digas adeus, ó sombra amiga, Abranda mais o ritmo dos teus passos: Sente o perfume da paixão antiga, Dos nossos bons e cândidos abraços. Sou a dona dos místicos cansaços, A fantástica e estranha rapariga Que um dia ficou presa nos teus braços... Não vás ainda embora, ó sombra amiga! Teu amor fêz de mim um lago triste: Quantas ondas a rir que não lhe ouviste, Quanta canção de ondinas lá no fundo! Espera... espera... ó minha sombra amada... Vê que p'ra além de mim já não há nada E nunca mais me encontras neste mundo!... INTERROGAÇÃO Neste tormento inútil, neste empenho De tornar em silêncio o que em mim canta, Sobem-me roucos brados à garganta Num clamor de loucura que contenho. Ó alma da charneca sacrosanta, Irmã da alma rútila que eu tenho, Dize para onde vou, donde é que venho Nesta dor que me exalta e me alevanta! Visões de mundos novos, de infinitos, Cadências de soluços e de gritos, Fogueira a esbrasear que me consome! Dize que mão é esta que me arrasta? Nódoa de sangue que palpita e alastra... Dize de que é que eu tenho sêde e fome?! VOLÚPIA No divino impudor da mocidade, Nesse êxtase pagão que vence a sorte, Num frémito vibrante de ansiedade, Dou-te o meu corpo prometido à morte! A sombra entre a mentira e a verdade... A nuvem que arrastou o vento norte... --Meu corpo! Trago nêle um vinho forte: Meus beijos de volúpia e de maldade! Trago dálias vermelhas no regaço... São os dedos do sol quando te abraço, Cravados no teu peito como lanças! E do meu corpo os leves arabescos Vão-te envolvendo em círculos dantescos Felinamente, em voluptuosas danças... FILTRO Meu amor, não é nada:--Sons marinhos Numa concha vasia, chôro errante... Ah, olhos que não choram! Pobrezinhos... Não há luz neste mundo que os levante! Eu andarei por ti os maus caminhos E as minhas mãos, abertas a diamante, Hão de crucificar-se nos espinhos Quando o meu peito fôr o teu mirante! Para que corpos vis te não desejem, Hei de dar-te o meu corpo, e a bôca minha P'ra que bôcas impuras te não beijem! Como quem roça um lago que sonhou, Minhas cansadas asas de andorinha Hão de prender-te todo num só vôo... MAIS ALTO Mais alto, sim! mais alto, mais além Do sonho, onde morar a dor da vida, Até sair de mim! Ser a Perdida, A que se não encontra! Aquela a quem O mundo não conhece por Alguém! Ser orgulho, ser águia na subida, Até chegar a ser, entontecida, Aquela que sonhou o meu desdém! Mais alto, sim! Mais alto! A intangível! Turris Ebúrnea erguida nos espaços, Á rutilante luz dum impossível! Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber O mal da vida dentro dos meus braços, Dos meus divinos braços de Mulher! NERVOS DE OIRO Meus nervos, guisos de oiro a tilintar Cantam-me n'alma a estranha sinfonia Da volúpia, da mágoa e da alegria, Que me faz rir e que me faz chorar! Em meu corpo fremente sem cessar, Agito os guisos de oiro da folia! A Quimera, a Loucura, a Fantasia, Num rubro turbilhão sinto-As passar! O coração, numa imperial oferta, Ergo-o ao alto! E, sôbre a minha mão, É uma rosa de púrpura entreaberta! E em mim, dentro de mim, vibram dispersos, Meus nervos de oiro, esplêndidos, que são Tôda a Arte suprema dos meus versos! A VOZ DA TÍLIA Diz-me a tília a cantar: «Eu sou sincera, Eu sou isto que vês: o sonho, a graça. Deu ao meu corpo, o vento, quando passa, Êste ar escultural de bayadera... E de manhã o sol é uma cratera, Uma serpente de oiro que me enlaça... Trago nas mãos as mãos da primavera... E é para mim que em noites de desgraça Toca o vento Mozart, triste e solene, E à minha alma vibrante, posta a nu, Diz a chuva sonetos de Verlaine...» E, ao ver-me triste, a tília murmurou: «Já fui um dia poeta como tu... Ainda hás de ser tília como eu sou...» NÃO SER Quem me dera voltar à inocência Das coisas brutas, sãs, inanimadas, Despir o vão orgulho, a incoerência: --Mantos rôtos de estátuas mutiladas! Ah! Arrancar às carnes laceradas Seu mísero segrêdo de consciência! Ah! poder ser apenas florescência De astros em puras noites deslumbradas! Ser nostálgico choupo ao entardecer, De ramos graves, plácidos, absortos Na mágica tarefa de viver! Ser haste, seiva, ramaria inquieta, Erguer ao sol o coração dos mortos Na urna de oiro duma flor aberta... ? Quem fêz ao sapo o leito carmesim De rosas desfolhadas à noitinha? E quem vestiu de monja a andorinha, E perfumou as sombras do jardim? Quem cinzelou estrêlas no jasmim? Quem deu êsses cabelos de raínha Ao girassol? Quem fêz o mar? E a minha Alma a sangrar? Quem me criou a mim? Quem fêz os homens e deu vida aos lobos? Santa Teresa em místicos arroubos? Os monstros? E os profetas? E o luar? Quem nos deu asas para andar de-rastros? Quem nos deu olhos para ver os astros --Sem nos dar braços para os alcançar? IN MEMORIAM Ao meu morto querido. Na cidade de Assis, «Il Poverello» Santo, três vezes santo, andou prègando Que o sol, a terra, a flor, o rocio brando, Da pobreza o tristíssimo flagelo, Tudo quanto há de vil, quanto há de belo, Tudo era nosso irmão!--E assim sonhando, Pelas estradas da Umbria foi forjando Da cadeia do amor o maior elo! «Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã água...» Ah, Poverello! Em mim, essa lição Perdeu-se como vela em mar de mágoa Batida por furiosos vendavais! --Eu fui na vida a irmã dum só irmão, E já não sou a irmã de ninguém mais! ÁRVORES DO ALENTEJO Ao prof. Guido Battelli. Horas mortas... Curvada aos pés do Monte A planície é um brasido... e, torturadas, As árvores sangrentas, revoltadas, Gritam a Deus a bênção duma fonte! E quando, manhã alta, o sol posponte A oiro a giesta, a arder, pelas estradas, Esfíngicas, recortam desgrenhadas Os trágicos perfis no horizonte! Árvores! Corações, almas que choram Almas iguais à minha, almas que imploram Em vão remédio para tanta mágoa! Árvores! Não choreis! Olhai e vêde: --Também ando a gritar, morta de sêde, Pedindo a Deus a minha gota de água! QUEM SABE?... Ao Angelo. Queria tanto saber porque sou Eu! Quem me enjeitou neste caminho escuro? Queria tanto saber porque seguro Nas minhas mãos o bem que não é meu! Quem me dirá se, lá no alto, o céu Também é para o mau, para o perjuro? Para onde vai a alma que morreu? Queria encontrar Deus! Tanto o procuro! A estrada de Damasco, o meu caminho, O meu bordão de estrêlas de cèguinho, Água da fonte de que estou sedenta! Quem sabe se êste anseio de Eternidade, A tropeçar na sombra, é a verdade, É já a mão de Deus que me acalenta? A MINHA PIEDADE A Bourbon e Menezes. Tenho pena de tudo quanto lida Neste mundo, de tudo quanto sente, Daquele a quem mentiram, de quem mente, Dos que andam pés descalços pela vida, Da rocha altiva, sôbre o monte erguida, Olhando os céus ignotos frente a frente, Dos que não são iguais à outra gente, E dos que se ensangüentam na subida! Tenho pena de mim... pena de ti... De não beijar o riso duma estrêla... Pena dessa má hora em que nasci... De não ter asas para ir ver o céu... De não ser Esta... a Outra... e mais Aquela... De ter vivido e não ter sido Eu... SOU EU! A Laura Chaves. Pelos campos em fora, pelos combros, Pelos montes que embalam a manhã, Largo os meus rubros sonhos de pagã, Emquanto as aves poisam nos meus ombros... Em vão me sepultaram entre escombros De catedrais duma escultura vã! Olha-me o loiro sol tonto de assombros, E as nuvens, a chorar, chamam-me irmã! Ecos longínquos de ondas... de universos... Ecos dum mundo... dum distante Além, Donde eu trouxe a magia dos meus versos! Sou eu! Sou eu! A que nas mãos ansiosas Prendeu da vida, assim como ninguém, Os maus espinhos sem tocar nas rosas! PANTEÍSMO Ao Boto de Carvalho. Tarde de brasa a arder, sol de verão Cingindo, voluptuoso, o horizonte... Sinto-me luz e côr, ritmo e clarão Dum verso triunfal de Anacreonte! Vejo-me asa no ar, erva no chão, Oiço-me gota de água a rir, na fonte, E a curva altiva e dura do Marão É o meu corpo transformado em monte! E de bruços na terra penso e cismo Que, neste meu ardente panteísmo, Nos meus sentidos postos e absortos, Nas coisas luminosas dêste mundo, A minha Alma é o túmulo profundo Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos! POBRE DE CRISTO A José Emídio Amaro. Ó minha terra na planície rasa, Branca de sol e cal e de luar, Minha Terra que nunca viste o mar, Onde tenho o meu pão e a minha casa, Minha terra de tardes sem uma asa, Sem um bater de fôlha... a dormitar... Meu anel de rubis a flamejar, Minha terra moirisca a arder em brasa! Minha terra aonde meu irmão nasceu, Aonde a mãe que eu tive e que morreu Foi moça e loira, amou e foi amada! Truz... Truz... Truz...--Eu não tenho aonde me acoite, Sou um pobre de longe, é quási noite, Terra, quero dormir, dá-me pousada!... A UMA RAPARIGA A Nice. Abre os olhos e encara a vida! A sina Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes! Por sôbre lamaçais alteia pontes Com tuas mãos preciosas de menina. Nessa estrada da vida que fascina Caminha sempre em frente, além dos montes! Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes! Beija aquêles que a sorte te destina! Trata por tu a mais longínqua estrêla, Escava com as mãos a própria cova E depois, a sorrir, deita-te nela! Que as mãos da terra façam, com amor, Da graça do teu corpo, esguia e nova, Surgir à luz a haste duma flor!... MINHA CULPA A Artur Ledesma. Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem Quem sou? Um fogo-fátuo, uma miragem... Sou um reflexo... um canto de païsagem Ou apenas cenário! Um vai vém. Como a sorte: hoje aqui, depois além! Sei lá quem sou? Sei lá! Sou a roupagem Dum doido que partiu numa romagem E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!... Sou um verme que um dia quis ser astro... Uma estátua truncada de alabastro... Uma chaga sangrenta do Senhor... Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados, Num mundo de maldades e pecados, Sou mais um mau, sou mais um pecador... TEUS OLHOS Olhos do meu Amor! Infantes loiros Que trazem os meus presos, endoidados! Nêles deixei, um dia, os meus tesoiros: Meus anéis, minhas rendas, meus brocados. Nêles ficaram meus palácios moiros, Meus carros de combate, destroçados, Os meus diamantes, todos os meus oiros Que trouxe d'Além-Mundos ignorados! Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas... Enigmáticas campas medievais... Jardins de Espanha... catedrais eternas... Berço vindo do céu à minha porta... Ó meu leito de núpcias irreais!... Meu sumptuoso túmulo de morta!... _He hum não querer mais que bem querer._ CAMÕES. I Gosto de ti apaixonadamente, De ti que és a vitória, a salvação, De ti que me trouxeste pela mão Até ao brilho desta chama quente. A tua linda voz de água corrente Ensinou-me a cantar... e essa canção Foi ritmo nos meus versos de paixão, Foi graça no meu peito de descrente. Bordão a amparar minha cegueira, Da noite negra o mágico farol, Cravos rubros a arder numa fogueira! E eu, que era neste mundo uma vencida, Ergo a cabeça ao alto, encaro o sol! --Águia real, apontas-me a subida! II Meu amor, meu amado, vê... repara: Poisa os teus lindos olhos de oiro em mim, --Dos meus beijos de amor Deus fêz-me avara Para nunca os contares até ao fim. Meus olhos têm tons de pedra rara, --É só para teu bem que os tenho assim-- E as minhas mãos são fontes de água clara A cantar sôbre a sêde dum jardim. Sou triste como a fôlha ao abandôno Num parque solitário, pelo Outono, Sôbre um lago onde vogam nenúfares... Deus fêz-me atravessar o teu caminho... --Que contas dás a Deus indo sòzinho, Passando junto a mim, sem me encontrares?-- III Frémito do meu corpo a procurar-te, Febre das minhas mãos na tua pele Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel, Doido anseio dos meus braços a abraçar-te, Olhos buscando os teus por tôda a parte, Sêde de beijos, amargor de fel, Estonteante fome, áspera e cruel, Que nada existe que a mitigue e a farte! E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma Junto da minha, uma lagoa calma, A dizer-me, a cantar que me não amas... E o meu coração que tu não sentes, Vai boiando ao acaso das correntes, Esquife negro sôbre um mar de chamas... IV És tu! És tu! Sempre vieste, emfim! Oiço de novo o riso dos teus passos! És tu que eu vejo a estender-me os braços Que Deus criou p'ra me abraçar a mim! Tudo é divino e santo visto assim... Foram-se os desalentos, os cansaços... O mundo não é mundo: é um jardim! Um céu aberto: longes, os espaços! Prende-me tôda, Amor, prende-me bem! Que vês tu em redor? Não há ninguém! A terra?--Um astro morto que flutua... Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente, Tudo o que é vida e vibra eternamente É tu seres meu, Amor, e eu ser tua! V Dize-me, amor, como te sou querida, Conta-me a glória do teu sonho eleito, Aninha-me a sorrir junto ao teu peito, Arranca-me dos pântanos da vida. Embriagada numa estranha lida, Trago nas mãos o coração desfeito. Mostra-me a luz, ensina-me o preceito Que me salve e levante redimida! Nesta negra cisterna em que me afundo, Sem quimeras, sem crenças, sem ternura, Agonia sem fé dum moribundo, Grito o teu nome numa sêde estranha, Como se fôsse, Amor, tôda a frescura Das cristalinas águas da montanha! VI Falo de ti às pedras das estradas, E ao sol que é loiro como o teu olhar, Falo ao rio, que desdobra a faïscar, Vestidos de Princesas e de Fadas; Falo às gaivotas de asas desdobradas, Lembrando lenços brancos a acenar. E aos mastros que apunhalam o luar Na solidão das noites consteladas; Digo os anseios, os sonhos, os desejos Donde a tua alma, tonta de vitória, Levanta ao céu a tôrre dos meus beijos! E os meus gritos de amor, cruzando o espaço, Sôbre os brocados fúlgidos da glória, São astros que me tombam do regaço! VII São mortos os que nunca acreditaram Que esta vida é sòmente uma passagem Um atalho sombrio, uma païsagem Onde os nossos sentidos se poisaram. São mortos os que nunca alevantaram Dentre escombros a Tôrre de Menagem Dos seus sonhos de orgulho e de coragem, E os que não riram e os que não choraram. Que Deus faça de mim, quando eu morrer, Quando eu partir para o País da Luz, A sombra calma dum entardecer--, Tombando, em doces pregas de mortalha, Sôbre o teu corpo heróico, pôsto em cruz Na solidão dum campo de batalha! VIII Abrir os olhos, procurar a luz, De coração erguido ao alto, em chama, Que tudo neste mundo se reduz A ver os astros cintilar na lama! Amar o sol da glória e a voz da fama Que em clamorosos gritos se traduz! Com misericórdia, amar quem nos não ama, E deixar que nos preguem numa cruz! Sôbre um sonho desfeito erguer a tôrre Doutro sonho mais alto e, se êsse morre Mais outro e outro ainda, tôda a vida! Que importa que nos vençam desenganos, Se pudermos contar os nossos anos Assim como degraus duma subida? IX Perdi os meus fantásticos castelos Como névoa distante que se esfuma... Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los: Quebrei as minhas lanças uma a uma! Perdi minhas galeras entre os gêlos Que se afundaram sôbre um mar de bruma... --Tantos escolhos! Quem podia vê-los?-- Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma! Perdi a minha taça, o meu anel, A minha cota de aço, o meu corcel, Perdi meu elmo de oiro e pedrarias... Sobem-me aos lábios súplicas estranhas... Sôbre o meu coração pesam montanhas... Olho assombrada as minhas mãos vazias... X Eu queria mais altas as estrêlas, Mais largo o espaço, o sol mais criador, Mais refulgente a lua, o mar maior, Mais cavadas as ondas e mais belas; Mais amplas, mais rasgadas as janelas Das almas, mais rosais a abrir em flor, Mais montanhas, mais asas de condor, Mais sangue sôbre a cruz das caravelas! E abrir os braços e viver a vida, --Quanto mais funda e lúgubre a descida Mais alta é a ladeira que não cansa! E, acabada a tarefa... em paz, contente, Um dia adormecer, serenamente, Como dorme no berço uma criança! Outubro, 1930. * * * * * RELIQUIÆ VERSOS PÓSTUMOS PUBLICADOS PELA PRIMEIRA VEZ COM A 2.ª EDIÇÃO DA «CHARNECA EM FLOR», EM 1931. ÉVORA Ao Amigo Vindo da luminosa Itália, a minha cidade, como eu soturna e triste... Évora! Ruas ermas sob os céus Côr de violetas roxas... Ruas frades Pedindo em triste penitência a Deus Que nos perdôe as míseras vaidades! Tenho corrido em vão tantas cidades! E só aqui recordo os beijos teus, E só aqui eu sinto que são meus Os sonhos que sonhei noutras idades! Évora!... O teu olhar... o teu perfil... Tua bôca sinuosa, um mês de Abril, Que o coração no peito me alvoroça! ...Em cada viela o vulto dum fantasma... E a minh'alma soturna escuta e pasma... E sente-se passar _menina-e-moça_... À JANELA DE GARCIA DE REZENDE Janela antiga sôbre a rua plana... Ilumina-a o luar com seu clarão... Dantes, a descansar de luta insana, Fui, talvez, flor no poético balcão... Dantes! Da minha glória altiva e ufana, Talvez... Quem sabe?... Tonto de ilusão, Meu rude coração de alentejana Me palpitasse ao luar nesse balcão... Mística dona, em outras primaveras, Em refulgentes horas de outras eras, Vi passar o cortejo ao sol doirado... Bandeiras! Pagens! O pendão real! E na tua mão, vermelha, triunfal, Minha divisa: um coração chagado!... O MEU IMPOSSÍVEL Minh'alma ardente é uma fogueira acesa, É um brasido enorme a crepitar! Ansia de procurar sem encontrar A chama onde queimar uma incerteza! Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa É nada ser perfeito. É deslumbrar A noite tormentosa até cegar, E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!... Aos meus irmãos na dor já disse tudo E não me compreenderam!... Vão e mudo Foi tudo o que entendi e o que pressinto... Mas se eu pudesse, a mágoa que em mim chora, Contar, não a chorava como agora, Irmãos, não a sentia como a sinto!... EM VÃO Passo triste na vida e triste sou Um pobre a quem jamais quiseram bem! Um caminhante exausto que passou, Que não diz onde vai nem donde vem. Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém A flor da minha bôca desdenhou! Solitário convento onde ninguém A silenciosa cela procurou! E eu quero bem a tudo, a tôda a gente!... Ando a amar assim, perdidamente, A acalentar o mundo nos meus braços! E tem passado, em vão, a mocidade Sem que no meu caminho uma saüdade Abra em flores a sombra dos meus passos! VOZ QUE SE CALA Amo as pedras, os astros e o luar Que beija as ervas do atalho escuro, Amo as águas de anil e o doce olhar Dos animais, divinamente puro. Amo a hera que entende a voz do muro, E dos sapos, o brando tilintar De cristais que se afagam devagar, E da minha charneca o rosto duro. Amo todos os sonhos que se calam De corações que sentem e não falam, Tudo o que é Infinito e pequenino! Asa que nos protege a todos nós! Soluço imenso, eterno, que é a voz Do nosso grande e mísero Destino!... PARA QUÊ? Ao vélho amigo João. Para quê ser o musgo do rochedo Ou urze atormentada da montanha? Se a arranca a ansiedade e o mêdo E êste enleio e esta angústia estranha E todo êste feitiço e êste enrêdo Do nosso próprio peito? E é tamanha E tão profunda a gente que o segrêdo Da vida como um grande mar nos banha? P'ra que ser asa quando a gente voa De que serve ser cântico se entoa Tôda a canção de amor do Universo? Para quê ser altura e ansiedade, Se se pode gritar uma Verdade Ao mudo vão nas sílabas dum verso? SONHO VAGO Um sonho alado que nasceu um instante, Erguido ao alto em horas de demência... Gotas de água que tombam em cadência Na minh'alma tristíssima, distante... Onde está êle o Desejado? O Infante? O que há de vir e amar-me em doida ardência? O das horas de mágoa e penitência? O Príncipe Encantado? O eleito? O Amante? E neste sonho eu já nem sei quem sou... O brando marulhar dum longo beijo Que não chegou a dar-se e que passou... Um fogo-fátuo rútilo, talvez... E eu ando a procurar-te e já te vejo!... E tu já me encontraste e não me vês!... PRIMAVERA É primavera agora, meu Amor! O campo despe a veste de estamenha; Não há árvore nenhuma que não tenha O coração aberto, todo em flor! Ah! Deixa-te vogar, calmo, ao sabor Da vida... não há bem que nos não venha Dum mal que o nosso orgulho em vão desdenha! Não há bem que não possa ser melhor! Também despi meu triste burel pardo, E agora cheiro a rosmaninho e a nardo E ando agora tonta, à tua espera... Pus rosas côr de rosa em meus cabelos... Parecem um rosal! Vem desprendê-los! Meu Amor, meu Amor, é Primavera!... BLASFÉMIA Silêncio, meu Amor, não digas nada! Cai a noite nos longes donde vim... Tôda eu sou alma e amor, sou um jardim, Um pátio alucinante de Granada! Dos meus cílios a sombra enluarada, Quando os teus olhos descem sôbre mim, Traça trémulas hastes de jasmim Na palidez da face extasiada! Sou no teu rosto a luz que o alumia, Sou a expressão das tuas mãos de raça, E os beijos que me dás já foram meus! Em ti sou Glória, Altura e Poesia! E vejo-me--milagre cheio de graça!-- Dentro de ti, em ti igual a Deus!... O TEU OLHAR Passam no teu olhar nobres cortejos, Frotas, pendões ao vento sobranceiros, Lindos versos de antigos romanceiros, Céus do Oriente, em brasa, como beijos, Mares onde não cabem teus desejos; Passam no teu olhar mundos inteiros, Todo um povo de heróis e marinheiros, Lanças nuas em rútilos lampejos; Passam lendas e sonhos e milagres! Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres, Em centelhas de crença e de certeza! E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim, Amor, julgo trazer dentro de mim Um pedaço da terra portuguesa! Outubro, 1930. NOITE DE CHUVA Chuva... Que gotas grossas!... Vem ouvir: Uma... duas... mais outra que desceu... É Viviana, é Melusina, a rir, São rosas brancas dum rosal do céu... Os lilazes deixaram-se dormir... Nem um frémito... a terra emmudeceu... Amor! Vem ver estrêlas a cair: Uma... duas... mais outra que desceu... Fala baixo, juntinho ao meu ouvido, Que essa fala de amor seja um gemido, Um murmúrio, um soluço, um ai desfeito... Ah, deixa à noite o seu encanto triste! E a mim... o teu amor que mal existe, Chuva a cair na noite do meu peito! TARDE DE MÚSICA Só Schumann, meu Amor! Serenidade... Não assustes os sonhos... Ah, não varras As quimeras... Amor, senão esbarras Na minha vaga imaterialidade... Liszt, agora o brilhante; o piano arde... Beijos alados... ecos de fanfarras... Pétalas dos teus dedos feitos garras... Como cai em pó de oiro o ar da tarde! Eu olhava para ti... «é lindo! Ideal!» Gemeram nossas vozes confundidas. --Havia rosas côr de rosa aos molhos-- Falavas de Liszt e eu... da musical Harmonia das pálpebras descidas, Do ritmo dos teus cílios sôbre os olhos... CHOPIN Não se acende hoje a luz... Todo o luar Fique lá fora. Bem Aparecidas As estrêlas miüdinhas, dando no ar As voltas dum cordão de margaridas! Entram falenas meio entontecidas... Lusco-fusco... um morcego a palpitar, Passa... torna a passar... torna a passar... As coisas tem o ar de adormecidas... Mansinho... Roça os dedos p'lo teclado, No vago arfar que tudo alteia e doira, Alma, Sacrário de Almas, meu Amado! E, emquanto o piano a doce queixa exala, Divina triste, a grande sombra loira, Vem para mim da escuridão da sala... O MEU DESEJO Vejo-te só a ti no azul dos céus. Olhando a nuvem de oiro que flutua... Ó minha perfeição que criou Deus E que num dia lindo me fêz sua! Nos vultos que diviso pela rua, Que cruzam os seus passos com os meus... Minha bôca tem fome só da tua! Meus olhos têm sêde só dos teus! Sombra da tua sombra, doce e calma, Sou a grande quimera da tua alma E, sem viver, ando a viver contigo... Deixa-me andar assim no teu caminho Por tôda a vida, Amor devagarinho, Até a morte me levar consigo... ESCRAVA Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor, Eu te saúdo, olhar do meu olhar, Fala da minha bôca a palpitar, Gesto das minhas mãos tontas de amor! Que te seja propicio o astro e a flor, Que a teus pés se incline a terra e o mar, P'los séculos dos séculos sem-par, Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu senhor! Eu, doce e humilde escrava, te saúdo, E, de mãos postas, em sentida prece, Canto teus olhos de oiro e de veludo. Ah, êsse verso imenso de ansiedade, Êsse verso de amor que te fizesse Ser eterno por tôda a Eternidade!... DIVINO INSTANTE Ser uma pobre morta inerte e fria, Hierática, deitada sob a terra, Sem saber se no mundo há paz ou guerra, Sem ver nascer, sem ver morrer o dia, Luz apagada ao alto e que alumia, Bôca fechada à fala que não erra, Urna de bronze que a Verdade encerra, Ah! Ser Eu essa morta inerta e fria! Ah, fixar o efémero! Êsse instante Em que o teu beijo sôfrego de amante Queima o meu corpo frágil de âmbar loiro; Ah, fixar o momento em que, dolente, Tuas pálpebras descem, lentamente, Sôbre a vertigem dos teus olhos de oiro! SILÊNCIO!... No fadário que é meu, neste penar, Noite alta, noite escura, noite morta, Sou o vento que geme e quere entrar, Sou o vento que vai bater-te à porta... Vivo longe de ti, mas que me importa? Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear Em roda à tua casa, a procurar Beber-te a voz, apaixonada, absorta! Estou junto de ti e não me vês... Quantas vezes no livro que tu lês Meu olhar se poisou e se perdeu! Trago-te como um filho nos meus braços! E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos... Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!... O MAIOR BEM Êste querer-te bem sem me quereres, Êste sofrer por ti constantemente, Andar atrás de ti sem tu me veres Faria piedade a tôda a gente. Mesmo a beijar-me a tua bôca mente... Quantos sangrentos beijos de mulheres Poisa na minha a tua bôca ardente, E quanto engano nos seus vãos dizeres!... Mas que me importa a mim que me não queiras, Se esta pena, esta dor, estas canseiras, Êste mísero pungir, árduo e profundo Do teu frio desamor, dos teus desdens, E, na vida, o mais alto dos meus bens? É tudo quanto eu tenho neste mundo? OS MEUS VERSOS Rasga êsses versos que eu te fiz, Amor! Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento, Que a cinza os cubra, que os arraste o vento, Que a tempestade os leve aonde fôr! Rasga-os na mente, se os souberes de cor, Que volte ao nada o nada dum momento! Julguei-me grande pelo sentimento, E pelo orgulho ainda sou maior!... Tanto verso já disse o que eu sonhei! Tantos penaram já o que eu penei! Asas que passam, todo o mundo as sente... Rasga os meus versos... Pobre endoidecida! Como se um grande amor cá nesta vida Não fôsse o mesmo amor de tôda a gente!... AMOR QUE MORRE O nosso amor morreu... Quem o diria! Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta, Céguinho de te ver, sem ver a conta Do tempo que passava, que fugia! Bem estava a sentir que êle morria... E outro clarão, ao longe, já desponta! Um engano que morre... e logo aponta A luz doutra miragem fugidia... Eu bem sei, meu Amor, que p'ra viver São precisos amores, p'ra morrer E são precisos sonhos p'ra partir. Eu bem sei, meu Amor, que era preciso Fazer do amor que parte o claro riso Doutro amor impossível que há de vir! SÔBRE A NEVE Sôbre mim, teu desdém, pesado jaz Como um manto de neve... Quem dissera Porque tombou em plena primavera Tôda essa neve que o inverno traz! Coroavas-me 'inda há pouco de lilás E de rosas silvestres... quando eu era Aquela que o Destino prometera Aos teus rútilos sonhos de rapaz! Dos beijos que me deste não te importas, Asas paradas de andorinhas mortas... Fôlhas de outono em correria louca... Mas 'inda um dia, em mim, ébrio de côr, Há de nascer um roseiral em flor Ao sol de primavera doutra bôca! EU NÃO SOU DE NINGUÉM... ........................................ ........................................ ........................................ ........................................ Eu não sou de ninguém!... Quem me quiser Há de ser luz do sol em tardes quentes; Nos olhos de água clara há de trazer As fúlgidas pupilas dos videntes! Há de ser seiva no botão repleto, Voz no murmúrio do pequeno insecto, Vento que enfuna as velas sôbre os mastros!... Há de ser Outro e Outro num momento! Fôrça viva, brutal, em movimento, Astro arrastando catadupas de astros! VÃO ORGULHO Neste mundo vaidoso o amor é nada, É um orgulho a mais, outra vaidade, A coroa de loiros desfolhada Com que se espera a Imortalidade. Ser Beatriz! Natércia! Irrealidade... Mentira... Engano de alma desvairada... Onde está dêsses braços a verdade, Essa fogueira em cinzas apagada?... Mentira! Não te quis... não me quiseste... Eflúvios subtis dum bem celeste? Gestos... palavras sem nenhum condão... Mentira! Não fui tua... não! Sòmente... Quis ser mais do que sou, mais do que gente, No alto orgulho de o ter sido em vão!... ÚLTIMO SONHO DE «SÓROR SAÜDADE» Áquele que se perdera no caminho... Sóror Saüdade abriu a sua cela... E, num encanto que ninguém traduz, Despiu o manto negro que era dela, Seu vestido de noiva de Jesus. E a noite escura, extasiada, ao vê-la, As brancas mãos no peito quási em cruz, Teve um brilhar feérico de estrêla Que se esfolhasse em pétalas de luz! Sóror Saüdade olhou... Que olhar profundo Que sonha e espera?... Ah como é feio o mundo, E os homens vãos!--Então, devagarinho, Sóror Saüdade entrou no seu convento... E, até morrer, rezou, sem um lamento, Por _Um_ que se perdera no caminho!... ESQUECIMENTO Êsse de quem eu era e que era meu, Que foi um sonho e foi realidade, Que me vestiu a alma de saüdade, Para sempre de mim desapar'ceu. Tudo em redor então escureceu, E foi longínqua tôda a claridade! Ceguei... tateio sombras... Que ansiedade! Apalpo cinzas porque tudo ardeu! Descem em mim poentes de Novembro... A sombra dos meus olhos, a escurecer... Veste de roxo e negro os crisantemos... E dêsse que era meu já me não lembro... Ah, a doce agonia de esquecer A lembrar doidamente o que esquecemos!... LOUCURA Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada Pavorosa! Não sei onde era dantes. Meu solar, meus palácios, meus mirantes! Não sei de nada, Deus, não sei de nada!... Passa em tropel febril a cavalgada Das paixões e loucuras triunfantes! Rasgam-se as sêdas, quebram-se os diamantes! Não tenho nada, Deus, não tenho nada!... Pesadelos de insónia, ébrios de anseio! Loucura a esboçar-se, a ennegrecer Cada vez mais as trevas do meu seio! Ó pavoroso mal de ser sòzinha! Ó pavoroso e atroz mal de trazer Tantas almas a rir dentro da minha! DEIXAI ENTRAR A MORTE Deixai entrar a Morte, a iluminada, A que vem para mim, p'ra me levar. Abri tôdas as portas par em par Como asas a bater em revoada. Que sou eu neste mundo? A desherdada, A que prendeu nas mãos todo o luar, A vida inteira, o sonho, a terra, o mar, E que, ao abri-las, não encontrou nada! Ó Mãe! Ó minha Mãe, p'ra que nasceste? Entre agonias e em dores tamanhas P'ra que foi, dize lá, que me trouxeste Dentro de ti?... P'ra que eu tivesse sido Sòmente o fruto amargo das entranhas Dum lírio que em má hora foi nascido!... À MORTE Morte, minha Senhora Dona Morte, Tão bom que deve ser o teu abraço! Lânguido e doce como um doce laço E como uma raiz, sereno e forte. Não há mal que não sare ou não conforte Tua mão que nos guia passo a passo, Em ti, dentro de ti, no teu regaço Não há triste destino nem má sorte. Dona Morte dos dedos de veludo, Fecha-me os olhos que já viram tudo! Prende-me as asas que voaram tanto! Vim da Moirama, sou filha de rei, Má fada me encantou e aqui fiquei À tua espera... quebra-me o encanto! POBREZINHA Nas nossas duas sinas tão contrárias Um pelo outro somos ignorados: Sou filha de regiões imaginárias, Tu pisas mundos firmes já pisados. Trago no olhar visões extraordinárias De coisas que abracei de olhos fechados... Em mim não trago nada, como os párias... Só tenho os astros, como os desherdados... E das tuas riquezas e de ti Nada me deste e eu nada recebi, Nem o beijo que passa e que consola. E o meu corpo, minh'alma e coração Tudo em risos poisei na tua mão!... ...Ah, como é bom um pobre dar esmola!... Êste soneto e os seguintes são publicados pela primeira vez em volume. ROSEIRA BRAVA Há nos teus olhos de oiro um tal fulgor E no teu riso tanta claridade, Que o lembrar-me de ti é ter saüdade Duma roseira brava tôda em flor. Tuas mãos foram feitas para a dor, Para os gestos de doçura e piedade; E os teus beijos de sonho e de ansiedade São como a alma a arder do próprio amor! Nasci envolta em trajes de mendiga; E, ao dares-me o teu amor de maravilha, Deste-me o manto de oiro de raínha! Tua irmã... teu amor... e tua amiga... E também--tôda em flor--a tua filha, Minha roseira brava que é só minha!... NAVIOS FANTASMAS O arabesco fantástico do fumo Do meu cigarro traça o que disseste, A azul, no ar, e o que me escreveste, E tudo o que sonhaste e eu presumo. Para a minha alma estática e sem rumo, A lembrança de tudo o que me deste Passa como o navio que perdeste, No arabesco fantástico do fumo... Lá vão! Lá vão! Sem velas e sem mastros, Têm o brilho rutilante de astros, Navios-fantasmas, perdem-se a distância! Vão-me buscar, sem mastros e sem velas, Noiva-menina, as doidas caravelas, Ao ignoto País da minha infância... O MEU SONETO Em atitudes e em ritmos fleugmáticos, Erguendo as mãos em gestos recolhidos, Todos brocados fúlgidos, hieráticos, Em ti andam bailando os meus sentidos... E os meus olhos serenos, enigmáticos. Meninos que na estrada andam perdidos, Dolorosos, tristíssimos, extáticos, São letras de poemas nunca lidos... As magnólias abertas dos meus dedos São mistérios, são filtros, são enredos Que pecados d'amor trazem de-rastos... E a minha bôca, a rútila manhã, Na via-láctea, lirica, pagã, A rir desfolha as pétalas dos astros!... NIHIL NOVUM Na penumbra do pórtico encantado De Bruges, noutras eras, já vivi; Vi os templos do Egipto com Loti; Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado. No horizonte de bruma opalizado, Frente ao Bósforo errei, pensando em ti! O silêncio dos claustros conheci Pelos poentes de nácar e brocado... Mordi as rosas brancas de Ispahan E o gôsto a cinza em tôdas era igual! Sempre a charneca bárbara e deserta, Triste, a florir numa ansiedade vã! Sempre da vida--o mesmo estranho mal, E o coração--a mesma chaga aberta! * * * * * TRADUÇÕES de GUIDO BATTELLI IO (EU) Io son colei che va pe 'l mondo errante e nella vita mai trovò sua stella, del Sogno e della Sorte son sorella, la triste crocifissa dolorante. Qual lieve ombra di nebbia vaporante che un triste suo destino s'arrovella di spingere alla Morte, io sono quella che niun comprender seppe un solo istante. Io son colei che passa e che niun vede, son quella che par triste e poi non è, che piange il suo dolor senza un perchè. Son forse la vision che alcun sognò, d'alcun che venne al mondo a veder me e nella vita mai non m'incontrò. IL MIO DESTINO (EM BUSCA DO AMOR) A me fu detto un giorno dal Destino: batti le strade della vita e chiedi a quanti incontrerai sul tuo cammino se quell'amor che brami hai da trovar. Scesi cantando al vento del mattino, sfidai nembi e tempeste, ad ogni porta bussando invano, a mo' di pellegrino, ma traccia del mio amor niun seppe dar! Ne chiesi a un vecchio: Orsù, dimmi, vecchino, Amor vedesti? Sorpreso ei mi guardò, scosse ridendo il capo e via passò. Ne chiesi a tutti, e fu dimanda vana, vana richiesta che mi scoraggiò: ne la vita l'Amor niuno incontrò. TRISTEZZA (NEURASTENIA) Ho l'anima ripiena di tristezza, rintocca nel mio cuor l'Ave Maria, la pioggia batte ai vetri e vi ricama trine leggere di malinconia. Piange il vento ululando e pare il grido d'un'anima che pena in agonia; di neve i fiocchi volano per l'aria migranti uccelli in ciel di fantasia. Tanta tristezza, pioggia, ma di che? Tanta passione, vento, ma perchè? Crudel destino, neve, ci toccò. O pioggia, o vento, o neve, che tristezza! Ditela al mondo intero l'amarezza, Dite voi ciò ch'io sento e dir non sò! IL CANTO DEL ROSIGNOLO (ALMA PERDIDA) Tutta la notte il rosignol cantò la sua passione, disperatamente, e quasi fosse l'eco d'una gente che in quella voce il suo dolor sfogò. Fors'era un sogno che nel ciel sfumò, e in doglia si converse blandamente, fors'era il pianto e l'anima dolente d'alcun che chiese amore e nol trovò. L'intera notte pianse, io lacrimai perchè in quel canto amaro e disperato l'atroce mio destino indovinai. E in quegli accenti che de l'angosciato mio tormento parevano la voce il pianto del mio cuore ravvisai. SERA ALENTEJANA (LANGUIDEZ) O sere di mia terra, o dolce incanto, d'un vago albor di giglio illuminate, sere di sogno, sere di novene, sere di Portogallo idolatrate. Come v'adoro e v'amo! Ecco ch'io sento battere l'ore come lievi pene, ore di pace e d'un dolore santo ore di fumo e cenere, serene... Le palpebre languenti, affaticate lievi si chiudon su l'azzurre viole, com'ali bianche stanche di volare. E su la bocca posan baci muti, mentre le mani sembran carezzare dell'ombra folta i pallidi velluti. AMICA TRISTE (AMIGA) Lascia ch'io sia la tua amica, Amore, solo l'amica, se non vuoi ch'io sia delle tue amanti tutte la migliore e la più triste. Pena ed agonia che importa, Amor, se poi da te ne viene? --Benedetto--dirà la voce mia... È sempre un sogno buono quel tuo bene, anche se in pianto dal perduto e vano sogno mi dèsti a rinnovar mie pene. Su, baciami le mani, ma pian piano, come, se nati nello stesso nido, noi fossimo fratelli un dì lontano. Baciami forte... O pazza fantasia, guardar così dentro le mani chiuse i baci ch'io sognai qui in bocca mia! GIOVINEZZA INUTILE (PEOR VELHICE) Son vecchia e triste. D'un sorriso l'alba su la mia bocca mai vidi apparir, gridando aiuto con la voce spenta, naufraga della vita, vo' a morir. La Vita che sul fronte a le fanciulle di bianche rose un serto suole ordir, su la mia fronte mistica di pazza il fior di morte pose a imputridir. Giovine ancora, se la giovinezza fosse soltanto de la nostra età nè il cuore avessi colmo d'amarezza, triste vecchiaia il mio destin mi dà, quella che nega a noi fino il ricordo d'essere stata bella in altra età. IL MIO SEGRETO (MINHA TRAGÉDIA) Non amo il sol, ho una paura folle che legganmi ne gli occhi il mio segreto, di non amar nessun, d'esser così... Amo la notte immensa e misteriosa, al par della farfalla, che notturna mi sento volteggiare in petto, qui. LANDA FIORITA (CHARNECA EM FLOR) Sento nel cuore una dolcezza arcana che fa scordarmi l'ore dolorose: dall'eriche bruciate nascon rose; del pianto la tristezza è ormai lontana. Tutta m'avvolge una passione strana; nell'ombra ascolto voci misteriose che mormoran parole deliziose per cui delira la mia mente vana. In questa febbre ardente che m'invade dispoglio il triste lutto e le gramaglie e più non sono, Amor, Sóror Saudade. Brilla nell'occhio l'estasi d'amore, e la mia bocca aulente è come il miele, io son la landa brulla tutta in fiore! VERSI D'ORGOGLIO (VERSOS DE ORGULHO) Mi sprezza il mondo, ma non ha nessuno l'ala del canto che il Signor mi diede, io nacqui Principessa in fra la plebe: chiude il mio sogno e l'ansia mia segreta una torre d'orgoglio e di disdegno. Perchè oltre i mari stendesi il mio regno, perchè ne gli occhi porto la infinita azzurra immensa vastità dei mari. Tutte le luci e tutti gli ori aduno, perch'io son Io, e sono pur Qualcuno! Il mondo? E che c'importa il mondo, Amore? Il giardin de' miei versi tutto in fiore, la messe de' tuoi baci inebrianti, son l'estasi di sogno e sono i canti, le braccia sono, Amor in che mi tieni stretta al tuo seno, e dentro ne' sereni abbraciamenti il mondo esser ci pare in Lattea Via immensità stellare! AUTUNNO (AUTONAL) . . . . . . . . . . . . . . . . Autunno dai crepuscoli dorati di porpore, damaschi e di broccati, vesti la terra intera di splendor. Autunno da le sere silenziose e magnifiche notti voluttuose, in cui singhiozzo a delirar d'amor! PASSIONE (NERVOS D'OIRO) Quai búbboli d'oro mi squillano gli accesi miei nervi il lor canto, e in quella lor voce mi dicono i sogni d'amore e di pianto. Io scuoto ridendo i miei crotali nel corpo d'ebbrezza fremente, e della passione nel turbine si perde estasiata la mente. Danzando nel circolo magico sollevo il mio cuor nella mano, che pare una rosa di porpora promessa a un amore lontano. Con ritmo fantastico vibrano ardenti i miei nervi esaltati e un regno mi tessono splendido di canti e di sogni dorati! VOLUTTÀ (VOLÚPIA) Poichè del piacere mi corre già il fremito per tutte le membra, io sfido la sorte, io t'offro il mio corpo dannato alla morte! Caduto è l'inganno dei labri che mentono, dispersa ha la nube il vento del norte: io t'offro coi baci un vino più forte! Ho il grembo ricolmo di dalie di porpora, e l'agili mani nel sole le tingo, ma sembrano lance se al seno ti stringo. L'incanto perverso t'avvolge del magico mio corpo felino: ti stringe anelante un cerchio più cupo di quelli di Dante! PASSEGGIATA CAMPESTRE (PASSEIO NO CAMPO) Amor diletto, o mio soave Amante, cogli l'ora che passa, ora divina bevi con me la tazza inebriante. Io tengo, Amor, la cinta svelta e fina e gioventù mi brilla ancora in fronte, le mani ho di Madonna fiorentina. Vieni con me: noi saliremo il monte fra'l gran' maturo che già 'l sole indora e l'acqua azzurra noi berremo al fonte. Di rosolacci ardenti ecco s'infiora tutta la messe: bianca la vitalba nell'aura fresca del mattino odora... A sera torneremo, e ne la falba luce di luna, pei sentieri agresti --soave a noi come un sorriso d'alba-- strette le braccia, moveremo presti. LE MIE MANI (AS MINHAS MÃOS) Le piccole mani son bianche e pure qual acqua nascente, somigliam le rose intrecciate nel grembo all'Infanta d'Oriente. Son povere in veste di seta, son mani di fata o reggente; le dora d'un pallido raggio, il sole che volge a ponente. Son scarne, son bianche siccome quel viso di bimba dolente che ignora sua madre, che vive raminga così fra la gente. Amor, le ricusi?... Sapessi la pena che il cuore ne sente! Mie piccole mani, sì dolci, sì buone, che solo contente D'un poco d'amore sareste, apritemi il cielo splendente di luce, che il volto carezzi d'un tenero amor sorridente! TOLEDO Rubino ardente in una coppa d'oro oggi è Toledo. Amor, non me lo dire, che tal festa è per noi. Vedi, non oso un gesto sol, chè temo di svenire. Le tue mani carezzano tremando l'agil mio corpo d'ambra armonioso, ch'è come un gelsomin tutto odoroso, ebro di sol, d'aroma e di piacere. Io chiudo l'occhio stanco ove persiste un romantico sogno vago e muto, --un grande amor è sempre grave e triste. Fiammeggia il Tago al sol coll'onda verde, leva al cielo una torre il grido acuto, e nel tuo bacio, Amor, l'alma si perde! IN MEMORIAM Nella città d'Assisi il Poverello santo Francesco a tutti iva insegnando che l'acqua, il sol, la terra, il fior più bello, le spin che calca, il piede insanguinando, la Povertà, che tutto quanto al mondo di buono o vile noi ne andiam trovando. Fratello è nostro. Esaltasi in giocondo, slancio d'amore il canto e dice: «Ave, suor Acqua, e Sole rubicondo»! Ahi, Poverello, il canto tuo felice erra fors'anco dentro le olivete di S. Damiano sovra la pendice, ma come triste a me ne le segrete lacrime suona! Ne la vita, solo m'ebbi un fratello, che ad eccelse mete mentre ne' cieli indirizzava il volo precipitò. Oh chi dirà lo schianto muto del cuore, chi darà consolo al mio perenne desolato pianto? Fratello in vita ebbi te sol, sol uno, morto che vegli al mio destino accanto, nè più fratello chiamerò nessuno! ALENTEJO (POBRE DE CRISTO) O terra mia natal, che in un'immensa pianura sconfinata avvampi al sol, terra cui stende su le case bianche il chiar di luna un magico lenzuol, Terra che ne' tuoi lunghi crepuscoli non senti batter d'ala pure un vol, terra moresca, che un rubino ardente sembri distesa col fiammante suol, Terra in cui nacque il dolce mio fratello e la giovine madre mia morì, io batto alla tua porta; son mendica, e ormai nell'ombra va morendo il dì. Lascia ch'io posi in te l'anima stanca e per la notte trovi albergo qui, terra adorata, ove mia madre dorme e bionda un giorno in gioventù fiorì. ALBERI DELL'ALENTEJO (ÁRVORES DO ALENTEJO) Ore morte. Disteso a piè del Monte il piano è una fornace. Torturate le piante, dall'arsura affaticate, chiedono a Dio la grazia d'una fonte. Fragranti le ginestre su le conte strade del bosco splendono dorate, si stagliano le piante impolverate, sul tragico profil de l'orizzonte. Alberi, o cuori, anime piangenti, o tristi al par di me, alme imploranti in van rimedio per la lor tortura, Alberi, non piangete! Anch'io da dura sete sospinta ne' mei passi erranti, anelo abbeverarmi a le sorgenti! EVORA (ÉVORA) Evora, le tue strade solitarie e silenziose sotto un ciel violetto la remissione chiedono al Signore di vanità che ci fiorîr nel cuore. Io corsi invano un dì tante cittadi: solo qui sento ch'ardono i tuoi baci, solo qui sento arridermi al pensiero i sogni ch'io sognai nell'altre etadi! Evora, al guardo tuo, al dolce aspetto, al tuo sorriso ambiguo nell'aprile, il cuor mi balza d'allegrezza in petto. C'è il volto d'un fantasma in ogni piazza; e l'alma mia dolente qui rivive il lieto sogno ch'io sognai ragazza! LA FINESTRA DI GARCIA DE REZENDE IN EVORA (Á JANELA DE GARCIA DE REZENDE) Finestra antica sopra la via piana, tutta di luce imbiáncati la luna; io forse un giorno, in un'età lontana, io fui la rosa che al balcon fiorì. Un giorno forse,--oh la mia mente vana che i morti sogni come foglie aduna!-- col mio superbo cuor d'alentejana al tuo balcone m'affacciai un dì. Mistica donna in altre primavere io vissi ore fulgenti in altre età; vidi passar cortei fra le bandiere spiegate al vento per la mia città. D'un principe regal vidi l'insegna levata al sole in aria trionfal; recava un cuor trafitto: era l'emblema ch'io scelsi a dire il mio segreto mal! SOGNO VANO (SONHO VAGO) Un sogno alato attraversò un istante la mente folle, presa da demenza, e mi risuona qual d'acque cadenza nell'alma ancora triste e sì distante... Dov'è l'Eletto del mio cuor, l'Infante che m'ami e fonda col suo vivo ardore il triste gelo che mi stringe il cuore, il Principe incantato, il dolce Amante? Assorta in sogno, io non so più se sia d'un bacio l'eco ch'al labbro morì, o fatuo fuoco che la notte splende sovra 'l sentier di chi 'l cammin smarrì. Ti vengo in traccia e già ti veggo Amore, e tu pur m'incontrasti ma fu invan. Non vider gli occhi tuoi ciò che nel cuore porto racchiuso e stringo nella man! AMBIZIOSA (AMBICIOSA) Per quei fantasmi che nel ciel passarono quai nubi erranti e che giurai d'amar, mai le mie braccia languide tentarono il gesto vano che cerca arrestar. Se le mie mani trepidanti osarono stringere al seno un palpitante amor, quante pantere barbare straziarono sol per la gioia d'un cieco furor! Or l'alma è come funeraria pietra in cima al monte, interrogando il ciel; l'umano amor dinanzi a lei s'arretra, e vano sogno a chi, rompendo il vel del senso, anela ad un divino amore, sembra ogni accento. Già lo spirto mio fatto s'è franco del terreno errore. L'amor d'un uomo? Voglio solo un Dio! I MIEI VERSI (OS MEUS VERSOS) Strappa quei versi ch'io ti scrissi, Amore, géttali al fuoco, o se li porti il vento, e, s'a memoria tu li sai, dal cuore te li cancelli oblio in un momento. Quanti poeti non cantar d'amore, nell'estasi del loro sentimento; e quanti non soffrir del mio dolore le pene stesse che nel cuore io sento? Quel ch'io sognai già ripeteron tante voci che Amore e che il Dolor costrinse, --un batter d'ali, un gemito dolente--, Strappa i miei versi. Qual follia mi vinse... Come se un grande amor qui nella vita non fosse poi l'amor d'ogn'altra gente! IDEALE (EU NÃO SOU DE NINGUEM) ......................................... Io non son di nessun. Sia chi mi vuole luce di sole in un meriggio ardente, rechi negli occhi, come un'acqua chiara la fulgida pupilla d'un veggente. Linfa che nutre agli alberi le gemme, murmure d'ali d'un minuto insetto, vento che strappa vele dall'antenne! Diverso sempre ad ogni ora che volge, forza viva, perenne, in movimento, stella che gli astri in suo cader travolge! SILENZIO (SILÊNCIO) Nell'ore tristi del mio van penare, a notte fonda, ch'ogni voce è morta, io sono il vento che tenta d'entrare, che geme e piange e batte a la tua porta. Vivo lungi da te, ma cosa importa? Per me non vivo ormai.--Non senti errare, della tua voce nell'incanto assorta, un'ombra lieve presso il limitare? Io ti son presso più che tu non creda: oh, quante volte il guardo mio si posa sovra il tuo libro, benchè tu non veda! Ti stringo in braccio, quasi un figlio mio; non senti lieve un passo ne la casa? --Silenzio, Amor mio bello, apri, son io! FOLLIA (LOUCURA) Tutto cade e precipita con romba spaventosa!--Io non so più dov'era dianzi! Il mio bel castello, il mio palazzo l'aëreo balcon vanì nel sogno... Oh Dio, nulla, nulla io più non so!... Ridda un tumulto di pensieri ardenti nella mia mente, in lampi di follia! Strappansi sete, infrangonsi diamanti... Oh Dio, che nulla ormai posseggo più! Solo incúbi di sogno e deliranti insonnie e pazzi lampi di follia traversano la tenebra ove muove anelante il mio piè. Oh, chi mi salva?... Oh spaventoso orror d'essere sola, e udir nell'alma riecheggiare il folle ridere d'infinite alme dementi! ALLA MORTE (DEIXAI ENTRAR A MORTE) Lasciate che venga sicura la Morte, che venga a rapirmi nell'ombra laggiù, a lei spalancate sien tutte le porte, chè stanche già l'ali non battono più! Chi sono nel mondo? Io sono un'illusa che il chiaro di luna già in mano serrò, pensando d'avere la Vita racchiusa; aperse le mani... e nulla incontrò! Perchè fra dolori e lacrime un giorno La vita mi desti? Perchè mi nutrì o mamma, il tuo seno, se il frutto soltanto d'un giglio esser devo che triste sfiorì? * * * * * ÍNDICE LIVRO DE MÁGOAS Pág. Êste livro 9 Vaidade 10 Eu 11 Castelã da tristeza 12 Tortura 13 Lágrimas ocultas 14 Tórre de Névoa 15 A minha dor 16 Dizeres íntimos 17 As minhas ilusões 18 Neurastenia 19 Pequenina 20 A maior tortura 21 A flor do sonho 22 Noite de saüdade 23 Angústia 24 Amiga 25 Desejos vãos 26 Pior velhice 27 A um livro 28 Alma perdida 29 De joelhos 30 Languidez 31 Para quê? 32 Ao vento 33 Tédio 34 Minha tragédia 35 Sem remédio 36 Mais triste 37 Vèlhinha 38 Em busca do amor 39 Impossível 40 LIVRO DE SÓROR SAÜDADE Sóror saüdade 45 O nosso livro 46 A que tu és 47 Fanatismo 48 Alentejano 49 Fumo 50 Que importa? 51 Meu orgulho 52 Os versos que te fiz 53 Frieza 54 O meu mal 55 A noite desce 56 Caravelas 57 Inconstáncia 58 O nosso mundo 59 Prince Charmant 60 Anoitecer 61 Esfinge 62 Tarde demais 63 Cinzento 64 Noturno 65 Maria das Quimeras 66 Saüdades 67 Ruínas 68 Crepúsculo 69 Ódio 70 Renúncia 71 A vida 72 Horas rubras 73 Suavidade 74 Princesa desalento 75 Sombra 76 Hora que passa 77 Da minha janela 78 Sol poente 79 Exaltação 80 CHARNECA EM FLOR Charneca em flor 85 Versos de orgulho 86 Rústica 87 Realidade 88 Conto de fadas 89 A um moribundo 90 Eu 91 Passeio ao campo 92 Tarde no mar 93 Su tu viesses ver-me 94 Mistério 95 O meu condão 96 As minhas mãos 97 Noitinha 98 Lembrança 99 A nossa casa 100 Mendiga 101 Supremo enleio 102 Toledo 103 Outonal 104 Ser poeta 105 Alvorecer 106 Mocidade 107 Amar! 108 Nostalgia 109 Ambiciosa 110 Crucificada 111 Espera 112 Interrogação 113 Volúpia 114 Filtro 115 Mais alto 116 Nervos de oiro 117 A voz da tília 118 Não ser 119 ? 120 In memoriam 121 Árvores do Alentejo 122 Quem sabe? 123 A minha piedade 124 Sou eu! 125 Panteísmo 126 Pobre de Cristo 127 A uma rapariga 128 Minha culpa 129 Teus olhos 130 He hum não querer mais que bem querer 131 RELIQUIÆ Évora 145 À janela de Garcia de Rezende 146 O meu impossível 147 Em vão 148 Voz que se cala 149 Para quê? 150 Sonho vago 151 Primavera 152 Blasfémia 153 O teu olhar 154 Noite de chuva 155 Tarde de música 156 Chopin 157 O meu desejo 158 Escrava 159 Divino instante 160 Silêncio! 161 O maior bem 162 Os meus versos 163 Amor que morre 164 Sôbre a neve 165 Eu não sou de ninguém 166 Vão orgulho 167 Último sonho de «Sóror Saüdade» 168 Esquecimento 169 Loucura 170 Deixai entrar a morte 171 À morte 172 Pobrezinha 173 Roseira brava 174 Navios fantasmas 175 O meu soneto 176 Nihil novum 177 TRADUÇÕES Io 181 Il mio destino 182 Tristezza 183 Il canto del rosignolo 184 Sera alentejana 185 Amica triste 186 Giovinezza inutile 187 Il mio segreto 188 Landa florita 189 Versi d'orgoglio 190 Autunno 191 Passione 192 Voluttà 193 Passeggiata campestre 194 Le mie mani 195 Toledo 196 In Memoriam 197 Alentejo 198 Alberi dell' Alentejo 199 Evora 200 La finestra di Rezende 201 Sogno vano 202 Ambiziosa 203 I miei versi 204 Ideale 205 Silenzio 206 Follia 207 Alla morte 208 FLORBELA ESPANCA AS MÁSCARAS DO DESTINO (CONTOS) EDIÇÃO MARANUS ALGUMAS OPINIÕES DA CRÍTICA SOBRE ESTE LIVRO: Do «DIÁRIO DE LISBOA» _As Máscaras do Destino_, são contos em prosa repassada de poesia, e em qualquer dos oito capítulos, aflora uma singular e pulcra beleza verbal. ......................................... A autora, profundamente mulher delicadíssima de sensibilidade, até aos páramos da mística sentimental, possue ao mesmo tempo um vigor clássico de Apolo das belas formas... Do «DIÁRIO DE NOTÍCIAS» A forma de todos êles é inexcedivel de côr e emoção. Lê-se êsse livro com o coração confrangido, mas com um excepcional gôzo espiritual, admirando-se em tôdas as suas páginas a escritora insigne. ERRATA Pág. Onde se lê Deve ler-se 24 9.º Verso não... não se apaga não... nada se apaga 29 3.º " alma de gente alma da gente 30 9.º " que te amaram que te amarem 62 9.º " à hora da doce ansiedade à hora doce da ansiedade 63 7.º " a noite a iluminar a noite iluminar 80 1.º " Erguer! Erguer 137 2.º " Conta-me a glória, Conta-me a glória [End of _Sonetos Completos_ by Florbela Espanca, translations by Guido Battelli] [Fin de _Sonetos Completos_ par Florbela Espanca, traductions par Guido Battelli]